Ajuda à Serra afundou num mar de lama
EDITORIAL PUBLICADO NO GLOBO DESTE DOMINGO A determinação de bloquear a conta da prefeitura de Teresópolis com a verba repassada por Brasília para socorrer as vítimas da enxurrada na Região Serrana fluminense no início do ano é providencial medida da Controladoria Geral da União a fim de estancar a sangria dos recursos públicos. A decisão […]
EDITORIAL PUBLICADO NO GLOBO DESTE DOMINGO
A determinação de bloquear a conta da prefeitura de Teresópolis com a verba repassada por Brasília para socorrer as vítimas da enxurrada na Região Serrana fluminense no início do ano é providencial medida da Controladoria Geral da União a fim de estancar a sangria dos recursos públicos. A decisão de, paralelamente, pedir o ressarcimento do dinheiro completa um elenco de bem-vindas ações para reaver uma dotação que, em vez de ser empregada na reconstrução da cidade atingida pelas chuvas, irrigou um esquema local de corrupção.
No que diz respeito à maneira como os poderes públicos do país costumam reagir nos casos de montagem de esquemas para malbaratar recursos oficiais, são providências, se não inéditas, inusuais. Deveriam servir de paradigma para ações semelhantes de desbaratamento de quadrilhas que se especializam em avançar sobre os cofres públicos.
No caso de Teresópolis, a CGU escorou-se em indícios de que estava em curso uma ação criminosa dentro da prefeitura, envolvendo a aplicação de R$7 milhões repassados pelo Ministério da Integração Nacional. Nas investigações do órgão, tomou forma o figurino das irregularidades – de resto, confirmadas em depoimento por um empresário que fazia parte do esquema de fraudes. Entre outras manobras, usavam-se intermediários para contratar serviços, liberavam-se pagamentos de serviços fictícios a empresas fantasmas ou de fachada, e falsificavam-se notas fiscais. Até um humilde balconista de uma farmácia foi usado, à revelia, como “laranja” no contrato social de uma construtora.
O esquema de corrupção, denunciado pelo GLOBO, estendia-se a outros municípios da Serra. Em Nova Friburgo, a cidade mais atingida pelo maior desastre natural da História do país, um acordo entre secretários do governo local e empresários elevou de 10% para 50% a propina que azeitava a máquina da burocracia para agilizar a liberação dos recursos. Fora essa particular sobretaxação do custo da corrupção, em tudo o mais o modelo da sangria foi basicamente o mesmo na Região Serrana.
Moralmente condenável – à parte a questão criminal usualmente pouco lembrada nas providências que procedem à descoberta de casos de malversação de recursos públicos -, a corrupção ganhou na Serra um tom acima de indignidade. Os temporais do início do ano deixaram na região um quadro de destruição e mortes que provocou emocionantes manifestações de solidariedade em todo o país. No rastro da tragédia delinearam-se outros males, como a ineficiência dos serviços de defesa civil e a burocracia nos procedimentos de reconstrução das áreas arrasadas.
A investigação da CGU mostrou que, a esses males que emergiram da enxurrada, se antepôs o esquema de fraudes: as águas ainda não haviam baixado e já o motor da corrupção estava em ação, alimentado pela necessidade imperiosa de que ações de redução de danos fossem adotadas com a emergência que costumeiramente é evocada na justificativa de agravos à lei para a prática de atos de rapinagem. É salutar que o presente caso de corrupção tenha sido revelado. Mas não basta isso: é fundamental que os responsáveis também respondam à Justiça por seus atos. E é preciso resolver, enfim, os problemas das pessoas.