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A vitória (temporária) dos ladrões

Dentro e fora dos EUA as megaempresas de trilhão de dólares são invariavelmente os grandes ladrões

Por Fernão Lara Mesquita
Atualizado em 30 jul 2020, 19h39 - Publicado em 11 jun 2019, 14h59
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  • Fernão Lara Mesquita (publicado no Vespeiro)

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    A crise não é da democracia. A crise é do Estado nacional e, como consequência, do modelo econômico que se apoia no ordenamento jurídico que o Estado nacional garantia.

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    Falo do mundo, não do Brasil. O funcionamento do capitalismo (e a liberdade possível) depende da garantia do direito de propriedade. Foi esse o fundamento que caiu. Sem garantia da propriedade não se renova a capacidade do empreendedor, seja de que tamanho for, de financiar o desenvolvimento de seus próximos empreendimentos e a economia para, o emprego desaparece, o salário míngua.

    Hernando De Soto demonstra com dados objetivos, no seu O mistério do Capital: por que o capitalismo triunfou no Ocidente e falhou nos outros lugares, que a principal causa da pobreza do Terceiro Mundo nem é cultural, nem de falta de espírito empreendedor, nem de diferença na quantidade de trabalho investido (e muito menos da disponibilidade ou não de recursos naturais), é a falta de garantia do direito de propriedade. É especialmente para os mais pobres, obrigados a “refugiar-se de legislações defeituosas na informalidade, onde todo trabalho investido transforma-se em capital morto, que não pode ser transacionado senão num padrão arcaico”, que essa falha é mais funesta. “O pobre é quem mais precisa dessa garantia para poder apropriar-se do resultado da força de trabalho que investe, a única coisa que ele tem”.

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    De Soto lembra, ainda, que essa incerteza geral sobre o que é de quem só começou a ser revertida na Europa “favelão nacional” do século 18 em diante, a partir da revolução industrial, e mais tarde ainda nos EUA, que, “na sua luta para fazer um território virgem converter-se numa nação, levou a garantia da propriedade às últimas consequências”, o que explica o seu crescimento vertiginoso a partir da virada do século 19 para o 20, quando entregou a chave das decisões políticas a quem mais precisa dessa garantia. “O Terceiro Mundo é o que eles foram há 100, 200 anos. A verdade é que a legalidade é a exceção. A extralegalidade sempre foi a norma. A constituição de sistemas integrados de propriedade no Ocidente é um fenômeno muito recente”.

    Com a entrada em cena da internet fazendo desaparecer fronteiras num mundo onde a ordem legal plenamente estabelecida é a exceção, o primeiro e o mais formidável dos desenvolvimentos proporcionados pela informática foi o da capacidade de roubar.

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    Dentro e fora dos EUA as megaempresas de trilhão de dólares são invariavelmente os grandes ladrões: o Google que rouba deus e o mundo com a inestimável contribuição dos roubados, o Facebook que compete com ele nisso e na venda de informação roubada na diuturna tocaia de cada passo e cada palavra trocada pelos seus usuários, a Amazon, latifundiária do comércio que mata concorrentes e explora todo servo da gleba que tenha algo para vender no planeta, e mais as suas contrafacções chinesas…

    A China, onde o Estado patrocina o roubo planetário (de ideias, de patentes, de desenhos, de tudo), tornou-se imbatível e vai comprando o mundo. No Ocidente os ladrões privados ainda enfrentam algum nível de resistência do Estado. Têm de bandear-se literalmente para dentro do “território livre” da China para se tornarem ladrões competitivos, como demonstrou Tim Cook, o verdadeiro artífice do gigantismo da Apple, conquistado com a isca do supply chain que, uma vez agarrada a vítima, revela-se um esquema de exploração de trabalho vil padrão Foxconn.

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    Sem garantia da propriedade, volta-se à Idade Média: é o fim da hegemonia do consumidor que “tinha sempre razão” (e principalmente escolha, que é o nome despido de poesia da liberdade), a morte do princípio antitruste, a concentração extrema da riqueza. A economia como um todo embarca no “efeito Jardim Europa”: cada vez menos gente comprando cada vez mais terrenos em incessantes “fusões e aquisições”, até que sobrem só uns tantos castelos murados com os súditos subempregados e o crime à solta em volta, trocando trabalho, inovação e proteção por migalhas.

    O embate cada vez mais irracional e furioso entre “direita” e “esquerda” é um eco do sofrimento que essa fissura do fundamento básico do sistema causa. O corre-corre sem saber pra onde no meio do terremoto no escuro. E vai puxado pela imprensa, uma das indústrias mais violentamente assoladas pelo pior lado das novas tecnologias.

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    Em pânico com o efeito da vitória esmagadora dos ladrões; nas mãos de um número minguante de patrões; inseguras quanto às causas reais da sua desgraça, a primeira reação das pessoas e das empresas é correr para dentro das muralhas dos castelos em busca de proteção.

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    Sair é que são elas. Mas desta vez, espera-se, não levará mil anos como da anterior.

    US$ 4,7 bilhões, quase tanto quanto os US$ 5,1 bilhões de todo o resto da indústria da informação dos EUA somado, foi quanto o Google faturou sozinho em publicidade vendida em cima do noticiário que ele não produz, segundo um estudo da News Mídia Alliance, que representa mais de 2 mil órgãos de informação americanos. O cálculo é, aliás, conservador, porque não inclui o que ele ganha vendendo a espionagem dos hábitos de consumo de informação dos seus clientes, o filé mais caro do seu açougue.

    Acovardados todos, só agora os donos do que o Google e a meia dúzia de gigantes da praça colhem sem ter plantado começam a reagir. Está no Congresso dos EUA, depois de várias iniciativas da União Europeia com objetivos semelhantes, a Lei de Competição e Preservação do Jornalismo, equipamento imprescindível da democracia, que suspende por quatro anos os dispositivos contra a cartelização da legislação antitruste para permitir aos grupos de comunicação negociar conjuntamente com eles a exigência de pagamento pela venda dos seus produtos. A lei tem apoio de democratas e republicanos nas duas Casas do Congresso, além do Departamento de Justiça.

    É o começo de uma longa marcha, que desta vez terá de ser levada pela comunidade humana como um todo, de modo que acabará por arrastar também a nós, como sempre, quae sera tamen

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