Há três cidades no mundo que batizam o vinho de origem com seu nome: Jerez na Espanha, Bordeaux na França e a cidade do Porto, em Portugal. Com mais de 2.000 anos de história encravadas por suas vielas medievais de granito, a cidade agrega 17 caves de degustação do vinho fortificado que leva o seu nome. Apesar dos magníficos “pasteis” de bacalhau, históricos painéis de azulejo e o coração de Dom Pedro I, guardado na Igreja de Nossa Senhora da Lapa, o turismo mais forte na cidade sempre esteve relacionado ao interesse gerado por essa bebida, principalmente nos meses de abril e outubro. Com o objetivo de expandir ainda mais o negócio, começaram a brotar às margens do Douro uma série de novos empreendimentos capazes de harmonizar com os interesses dos visitantes.
Um dos maiores exemplos disso é o The Yeatman, um hotel vínico, construído em formato de terraças (como degraus de uma arquibancada) de maneira que todos os seus 109 quartos tenham vista para o Douro e a zona ribeirinha da cidade. Desde o bar no lobby até o seu restaurante duas estrelas Michelin, comandado pelo chef Ricardo Costa, que assina toda gastronomia do hotel, os funcionários (e não apenas os sommeliers) são capazes de indicar vinhos que condizem com o seu paladar e ao que você está degustando, seja um sanduíche de leitão assado que derrete na boca do Dick’s Bar ou um elegante bacalhau do menu degustação Mira Mira, um dos restaurantes do complexo WOW, o quarteirão cultural, que pertence ao mesmo grupo.
ADEGA COM MAIS DE 1300 RÓTULOS
A garrafeira, como os portugueses chamam suas adegas ou caves, é uma homenagem à tradição viníca portuguesa: tem mais de 30 mil garrafas, de 1.300 rótulos, de 100 produtores das regiões do Douro, Dão, Minho, Alentejo, Bairrada, sem esquecer das ilhas da Madeira e Açores. A diversidade se aplica também aos valores: começa pelos vinhos jovens, como os verdes por 6 euros, e chega às alturas com os portos de 4.900 euros, da safra de 1896. Além de abastecer o hotel e seus restaurante, a garrafeira oferece degustações personalizadas. Ali, você pode escolher os tipos de vinho que quer degustar e qualquer um desses rótulos podem ser também levados para degustar em casa, sem margens abusivas.
Quem está à frente dessa seleção é a portuguesa Beatriz Machado, a primeira mulher a ter cargo de diretora de vinhos naquele país. Enóloga de formação, ela é também responsável pelos jantares que harmonizam vinhos portugueses com a gastronomia assinada do chef Costa, que acontecem todas as quinta-feira no hotel, sempre com a presença do produtor do vinho apresentado. Na ocasião são servidos quatro pratos, harmonizados com quatro rótulos, por valores que variam de 80 a 100 euros. Não é necessário estar hospedado para participar desse e de outros tantos eventos realizados por lá.
SEM ENOCHATICE
O mote de trabalho de Beatriz é descomplicar a bebida. Ela acredita que desde a escolha do vinho até o último gole deve-se vivenciar um momento gentil e de prazer, tanto para os conhecedores como para quem participa pela primeira vez de um desses eventos. Mesmo com serviço impecável, que utiliza os mais diferentes formatos das taças austríacas Riedal (a primeira a produzir copos para os diversos tipos de uva), os termos técnicos ou qualquer tipo de enochatice definitivamente não fazem parte do menu.
Entre um gole de Encruzado, um branco com complexidade aromática de atordoar, ou de um Trincadeira Preta de vinhas velhas do Tejo, ao lado da piscina em formato de decanter, é possível observar os telhados dos armazéns de vinho do porto escurecidos pelo que eles chamam de “angel share”, ou a parte dos anjos, ou ainda em nosso português “o pro santo”, como se referem ao percentual do vinho do porto que evapora dos barris e pintam de preto as telhas de barro.
Todos os quartos são batizados com uma placa de uma quinta ou produtor de vinhos português, mapas que contam a história do Douro e obras de arte tornam o caminhar pelos corredores uma espécie de passeio por galerias de arte. Há suítes em que a cama king size fica em um balseiro (como eles chamam os barris de comportam grande quantidade de vinho) e na suíte presidencial, além da piscina privada, há uma banheira em inox, uma menção ao lugar onde acontecem boa parte das fermentações de vinho. E mais importante: há para esses aposentos uma seleção de vinhos portugueses especiais, sempre na temperatura correta no quarto.
O hotel abriu as portas em 2010, mas passou a ter ocupação máxima em 2012, depois de sair no New York Times, após três conversas de um repórter do jornal americano com o inglês Adrian Bridge, CEO do grupo The Fladgate Parternership, que possui três marcas de vinho de porto, hotéis e o quarteirão cultural WOW. Para ele, um bom medidor de sucesso é a quantidade de jatos privados aterrissando na Cidade do Porto para se hospedarem no Yeatman. “No início, eles eram quase zero, agora em 2019 tivemos 2.500 aviões privados descendo com hóspedes para o nosso hotel”, contou. Os ingleses foram a maioria durante a pandemia, mas atualmente são portugueses, brasileiros e americanos, nessa ordem, as nacionalidades que mais ocupam suas luxuosas suítes e arredores.
Todos esses mimos vínicos, é claro, têm um preço. Claro não se trata de um hotel barato. A diária custa em média R$ 1600,00, enquanto a da presidencial, com seus 150 m2 de jardim e 170 m2 de interior, sai por aproximadamente R$ 13.500,00. Caro? Sem dúvida, mas, francamente, não é nada muito assustador para quem já deu uma pesquisada nos últimos tempos nas tarifas dos melhores hotéis do Litoral Norte de São Paulo ou de qualquer grande rede de resorts no Nordeste.