Por que muitos ainda torcem o nariz para o vinho mais vendido no Brasil
Vinícola gaúcha responsável pelo rótulo de maior sucesso no país começou a exportar o produto aos Estados Unidos e até para a África
Muitos apreciadores de vinho nunca ouviram falar do Pérgola e é quase certo que torçam o nariz caso tenham a oportunidade de experimentar esse tinto bastante adocicado. Independentemente disso, o negócio é um tremendo sucesso no Brasil. A garrafa de 1 litro custa 20 reais em média no mercado de São Paulo e o produto é presença frequente em festas e reuniões populares, ocasiões em que os consumidores não apenas tomam a bebida em taças, mas também a utilizam como base para ponches, sangrias e até mesmo misturada com cerveja (acredite, o chamado vinho de chope tem inúmeros fãs país afora!).
Os números são impressionantes: a Vinícola Campestre, produtora do vinho de mesa Pérgola, prevê fechar 2024 com a venda de 40 milhões de garrafas, o que garante ao produto o status pelo décimo ano consecutivo de vinho mais vendido do Brasil, segundo pesquisa de líderes de venda realizada consultoria Nielsen. Nos últimos dois anos, o fenômeno Pérgola tem extrapolado as fronteiras nacionais. “Depois que chegamos a Manaus, Roraima e Amapá, importadores do Suriname e Guiana Inglesa passaram a interessar-se pelo produto”, contou à coluna AL VINO o diretor comercial da Campestre, Carlos Quintus. Também houve um recente pedido de Gana, no continente africano, e já seguiram oito conteiners de Pérgola para os Estado Unidos, mais especificamente, rumo a Miami. Apenas para essa nova atividade, a exportação, a empresa contabiliza 500 000 garrafas em 2024.
Feito com as uvas vitis americanas Isabel e Bordô, o Pérgola é um vinho de mesa com 80 g de açúcar por litro, o que o coloca na categoria de vinho suave (de acordo com a legislação brasileira, para entrar nessa classificação produto pode ter entre 25 e 80 g, sendo que parte desse açúcar é adicionado). O vinho fino seco é feito com vitis viníferas (Cabernet Sauvignon, Merlot ), uvas que não vão à mesa, e também de acordo com a legislação brasileira podem ter até 4g de açúcar, por litro. Há ainda vinhos de sobremesa ou de colheita tardia que têm até 40g de frutose por litro, mas esse açúcar não é adicionado, é residual da fermentação. Quando há a fermentação, o processo que transforma açúcar em álcool, em determinado momento as leveduras, responsáveis por essa transformação, morrem e não consomem todo o açúcar, deixando esse resíduo.
A Campestre também tem uma premiada linha de vinhos finos e secos que levam o nome da família fundadora da empresa, a Zanotto. Para as duas linhas, a vinícola conta com o mesmo enólogo, André Donatti, que acaba de receber o prêmio de enólogo do ano pela Associação Brasileira de Enologia (ABE). Para os próximos anos, a família Pérgola que já conta com vinhos brancos e secos deve crescer com rosé mais leves e menos alcóolicos, como apontam as últimas tendências.
Enquanto a maioria das vinícolas do Sul do Brasil sofre com a concorrência nas gôndolas dos “reservados” chilenos, vinhos normalmente sem qualidade feito com a quarta prensa das uvas, o Pérgola teve um crescimento de 10% em volume de litros em 2024. E qual o segredo? “Apesar de ser um vinho de mesa, ele tem qualidades. Sabemos que os giradores de taça torcem o nariz, mas nosso foco é o consumidor”, diz Quintus. A exemplo do que fazem os grandes rótulos, o Pérgola ganhou uma roupagem dourada para comemorar a década de sucesso, com garrafa e rótulo especiais. Para garantir a qualidade do produto, a vinícola contratou agrônomos que visitam periodicamente os fornecedores de uvas para o Pérgola. São 800 famílias que vivem em regiões próximas a Vacaria, no Rio Grande do Sul, onde está localizada da vinícola. A intenção é a melhora técnica dessa produção, reduzindo agrotóxicos e evitando adubação excessiva, principalmente diante desse novo desafio que é a importação. Fora do Brasil, as taxas de resíduo mínimo são bem inferiores do que as permitidas por aqui, inclusive pela Anvisa.
Apesar de o público consumidor do Pérgola ser de classes populares em sua maioria, é um erro pensar que vinho adocicado apenas faz sucesso entre pessoas sem informação ou acesso a produtos melhores. Maikon Brito, que atualmente trabalha no Gero e foi maître no premiado Fasano, contou-me certa vez que já abriu muito vinho de sobremesa para acompanhar os famosos risotos da casa, na época em que ela era comandada pelo chef Salvatore Loi. Soa como uma heresia gastronômica, mas tem a ver com a lei do “é o freguês quem manda”. Mesmo em uma das casas mais estreladas de São Paulo, muitos clientes preferiam vinhos mais doces.
A sommelière Flavia Maia me disse que, em seu Instagram, vive recebendo pedido de indicações de vinhos suaves de boa qualidade. Aos poucos, eles levam esses bebedores a vinhos secos mais leves. Assim, funcionam como o caminho de entrada para um universo mais rico e complexo. A consultora brasileira que vive em Adelaide, Priscilla Hennekam também contou à coluna AL VINO que seu primeiro contato com vinhos foi nas praias de Natal em coquetéis que levavam leite condensado. Hoje, ela é uma especialista que faz a ponte entre Brasil e Austrália.
Eu provei meu primeiro Pérgola ontem à noite. A cor bordô forte na taça dá a impressão de um bom suco de uva, no nariz um foxado típico dos vinhos feitos com esse estilo de uvas (termo vem do inglês Foxy, faz referência a um odor doce e cheiro de pelo de animal, no caso raposa). Tenho sentido também esse aroma em vinhos naturais defeituosos. Na boca, o Pérgola é um suco de uva turbinado, com 10% de álcool. Não tem complexidade aromática tampouco sutilezas de paladar. É possível dizer que lembra um Lambrusco (vinho italiano frutado e adocicado) sem o frisante. “A Isabel aporta aroma de uva e doçura, a Bordô a cor, exatamente o que espera o consumidor desse tipo de produto”, explicou-me Carlos Quintus.
Não é mesmo para todos. Mas, goste-se ou não dele, o histórico de sucesso e a expansão do negócio até no exterior são dignos de um brinde.