O chef Alex Atala derruba a última fronteira contra os vinhos brasileiros
Menu em comemoração aos 25 anos do D.O.M. conta com uma carta reservada exclusivamente aos rótulos nacionais -- tem até um de São Roque

Experimente perguntar ao Chatgpt o que a Inteligência Artificial anda dizendo sobre o vinho brasileiro. Uma das respostas é a de que o vinho brasileiro é como promessa de político: começa com aroma de esperança, mas termina com gosto de arrependimento. Trata-se de um exemplo de como mesmo os modernos robôs ainda propagam por aí antigos preconceitos. Felizmente, esse tipo de coisa vai aos poucos se tornando tão antiquada quanto uma antiga piada machista de salão.
Se ainda havia alguma barreira ou dúvida sobre a evolução da produção brasileira, ela caiu por terra com o menu que comemora os 25 anos do D.O.M., do chef Alex Atala. Pela primeira vez na história do endereço, o cardápio é totalmente harmonizado com amostras de pequenos produtores de diferentes terroirs do país. O restaurante é um dos seis brasileiros com duas estrelas no conceituado e internacional Guia Michelin (conquistadas e mantidas desde 1999). Foi também o primeiro estabelecimento brasileiro a entrar no ranking dos 50 melhores restaurantes do mundo, organizado pela revista britânica Restaurant e, em 2012, esteve na quarta posição da lista, a mais alta já ocupada por algum chef do Brasil.
Atala apresentou ingredientes amazônicos para o mundo, inclusive para muitos de nós brasileiros. De forma a comemorar essa brilhante trajetória, escolheu como tema para comemorar os 25 anos da casa o sertão e a obra do paraibano Ariano Suassuna. Elas serviram de inspiração para o menu de doze etapas que celebra as bodas de prata do restaurante. Os vinhos foram escolhidos pelo sommelier Luciano Freitas, o cearense que deixou a pequena Acopiara para ganhar a vida nas brigadas de restaurantes em São Paulo e desde 2014 faz parte da equipe de vinho de Atala. Os rótulos nacionais selecionados são uma mostra de produtores especiais, com grande qualidade.
Na seleção de vinhos escolhida por Luciano, esta colunista pode apreciar um fresquíssimo Teroldego Rosé, da vinícola gaúcha Era dos Ventos, que acompanhou os snacks do menu especial, entre eles, uma “galinha de comboeiro”. Detalhe: Luciano ficou com os olhos cheios de lágrimas quando veio à mesa apresentar essa iguaria, pois se lembrou naquela hora de sua infância pobre no Ceará e, em especial, do dia em que a mãe lhe preparou galinha com farinha de mandioca para o filho encarar a viagem para tentar a vida na cidade grande. Ao lado de Atala, hoje é Luciano que se encarrega de fazer as honras da casa do D.O.M aos clientes brasileiros e estrangeiros. Os turistas que vêm de fora, aliás, continuam a representar metade do público que lota as noites do restaurante.
A coluna teve o prazer de conhecer o menu acompanhada pelo engenheiro agrônomo Arnaldo Argenta e sua filha Naina, da vinícola Valparaíso, produtores do Vitale Pinot Noir. É um primor de vinho, que usa leveduras selvagens (cultivadas na própria vinícola, não são industriais), feito com mínima intervenção, de uma delicadeza brutal. A produção das uvas sem veneno e a vinificação sem adição de químicos é parte da história da família do Trento, na Itália, que tem como filosofia o respeito à natureza. Além de Pinot Noir, eles têm um Nebbiolo, um laranja de Garganega, um Pinot Grigio e um Sangiovese. No D.O.M. o escolhido da Valparaíso acompanhou o beiju com feijão andu e mocotó — e brilhou. A acidez dele em contraste com a gordurinha do mocotó deixou um sabor de quero mais.
Para fechar o menu de 25 anos, claro, não podia falta ela, a formiga que é marca registrada do chef, colocada sobre um pequeno bolo Souza Leão acompanhada de outra ótima provocação aos enochatos de plantão: um vinho doce da uva Niágara, produzido em São Roque. Acreditem, não poderia estar melhor! Toda a experiência com os 12 passos, precisa ser reservada no site do restaurante e custa R$ 850, por pessoa. Confira aqui o vídeo:
Antes do D.O.M., outros estabelecimentos em São Paulo já haviam aberto suas cartas e vinhos aos nacionais, a exemplo do Esther Rooftop, comandado pelo francês Benoit Mathurin, que têm sido considerado o embaixador honorário das vinícolas brasileiras, e do Terraço Jardins, restaurante Hotel Renaissance. O local lançou recentemente uma carta só com nacionais para harmonizar com seu cardápio que privilegia ingredientes bazucas e pequenos produtores. No caso do endereço de Alex Atala, a produção nacional entrou no D.O.M. pelos espumantes, nossa excelência, logo nos primeiros anos do restaurante e, aos poucos, foi ganhando espaço.
Há ainda preconceito relacionado ao negócio, por uma mistura de falta de informação e de um certo esnobismo. “Os estrangeiros ficam muito encantados, mas, entre os clientes brasileiros, eventualmente, há sempre alguém que me diz que o menu é ótimo, mas o vinho podia ser um… E fala uma grande marca internacional”, conta Atala. Durante certo jantar, ele nunca esquece de um cliente que trouxe a tiracolo um Biondi Santi (vinícola italiana pioneira em Barolos) para lá de suspeito. E as suspeitas acabaram se confirmando. “Era tão falso que na impressora de casa eu poderia per feito um rótulo melhor. Também já abri grande rótulos de vinhos condenados (em mau estado ou degradados), mas a pessoa achava que aquilo era uma ‘maravilha’”, lembra o chef.
Todos os vinhos apresentados no menu estavam especiais. Eles são um bom retrato da diversidade que se pode produzir por aqui e merecem ser conhecidos. Abaixo deixo a lista completa do que degustei. A maioria deles pode ser comprado nos sites das vinícolas, que entregam em todo o Brasil. Em São Paulo, há boas lojas com ótimas seleções brasileiras — em breve, farei aqui na Al Vino um serviço completo a respeito desses locais.
A seguir, os vinhos escolhidos pelo chef Alex Atala e o sommelier Liciano Freitas para comemorar os 25 anos do D.O.M.:
– Teroldego Rosé – Era dos Ventos, Rio grande do Sul
– Trebbiano – Montaneus, Farroupilha (RS)
– Gran Cata Alvarinho – Cata Terroirs, Santa Catarina
– Pinot Noir NV 2023 – Valparaiso, Rio Grande do Sul
– Chardonnau 2022 – Vinhas do Tempo, Serra Gaúcha
– Uvva – Chapada Diamantina, Bahia
– Tropical Moscatel – Terranova, Vale do São Francisco (PE)
– Soleira Niágara 10 anos – Bellaquinta, São Roque (SP)