Três assuntos que se tornaram polêmicos em Twitter, Facebook, YouTube, WhatsApp etc. têm alguns elementos demasiadamente em comum. São eles: Momo, o jogo da baleia azul e golden shower.
Para começo de conversa, pouca gente sabia da existência do trio antes de seus membros reverberarem nas redes. Momo se restringia a ser uma escultura de silicone criada em 2016 pelo artista plástico japonês Keisuke Aiso e exposta numa exposição de tema fantasmagórico em Tóquio. De baleia azul, só se conhecia o belíssimo animal marinho. A respeito de golden shower, a “chuva de ouro” promovida pelo presidente Bolsonaro, apenas tinham ciência os muito bem-informados da política estadunidense e os adeptos de raros fetiches entre quatro paredes.
A primeira similaridade entre as três hashtags é que tais termos só começaram a ficar conhecidos quando… viraram hashtags. Momo começou como uma piadinha de youtubers, em forma de memes e vídeos engraçadinhos dos mais variados. Recentemente, no entanto, protagonizou um vídeo na qual ensinaria crianças a se suicidar. E pior: supostamente, no YouTube Kids, a versão “safe”, apropriada a menores de idade, do site de vídeos. Já o jogo da baleia azul se espalhou pelo mundo entre 2017 e 2018. No ano passado, reverberou com muito barulho no Brasil. Do que se trata: um game online que em teoria promoveria que jovens se machucassem em desafios como “se cortar”, “se jogar do teto de uma casa” etc., até a fase final de “se matar”.
Por fim, a “chuva de ouro”.
Quase todo brasileiro começou a se interessar por golden shower com o indecoroso tuíte presidencial no qual se mostrava graficamente do que se tratava a tara. Não sem o comandante máximo da nação se explicar com um “Não me sinto confortável em mostrar, mas temos de expor a verdade (…) É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro (…)”. Até agora me pergunto “Por que o presidente usou o plural na mensagem, falando em ‘temos’?”. Ele e quem mais estava revelando “a verdade”?
No dia seguinte à publicação, que culpava o Carnaval pelo lado (digamos assim) pecaminoso do ser humano, Bolsonaro ainda se fez de desentendido, perguntando “o que é golden shower?”. Como se uma simples busca no Google (nem precisaria acionar a Abin ou mergulhar na deep web) não lhe mostrasse algumas respostas – talvez não tão gráficas quanto a do vídeo que ele mesmo tuitou.
Não só ele – e os então presentes ao seu lado, já que se falou em “temos” – pesquisaram para saber “o que é golden shower”. O mais popular dos sites pornôs logo agradeceu o presidente brasileiro, visto que disparou a procura pela tara molhada na página.
Além de adultos, crianças e adolescentes (estes últimos, um dos principais públicos de sites pornôs, convenhamos) logo correram para a internet em busca de descobrir do que se tratava a golden shower de Bolsonaro. Nisso, uma ironia (com efeitos danosos): o presidente que promove “a família”, o moralismo, os costumes, o patriotismo no estilo trumpiano, despertou a curiosidade por uma estranha obsessão sexual.
Dessa forma, comportou-se como aquele indivíduo conservador que vai na parada LGBT ou num clube dos mais pervertidos (supostamente) só para criticar o que foi lá ver.
E está aí mais uma coincidência para o trio! O interesse entre crianças por um vídeo da Momo ensinando a se matar foi despertado não porque estava no YouTube Kids. Mas porque seus pais não paravam de compartilhar a tal gravação pelo WhatsApp e mostrá-la aos seus filhos, frisando algo como: “Tá vendo esse vídeo aqui? Não viu. Pois veja! E agora tome cuidado com ele”. Assim como a curiosidade pelo fatal jogo da baleia azul só foi tão acordada entre a juventude depois que não se parou de falar do tal desafio. Não em rodas de crianças, mas no YouTube (por adultos), em jornais, em sites, em revistas, em todo canto.
Chega-se aqui a outra característica parelha entre os três temas que viralizaram. Muito (em dois casos, quase tudo) do que se propagou sobre eles era mentira. Fake news, talquei?
A versão suicida da Momo não aparecia no YouTube Kids, como alarmavam pais. O vídeo em que ela supostamente ensinava a se matar só circulava por meios como o WhatsApp e o Messenger do Facebook. Usualmente, dentre adultos que juravam que o conteúdo estava no Kids (repito: não, não estava).
Do desafio da baleia azul, ninguém sabe quem o criou. Também nem se tem ciência, ao certo, se o objetivo original seria mesmo a promoção do suicídio.
Por fim, já fui a bloquinhos, frequentei este e carnavais passados, tenho muitos amigos que adoram se fantasiar e ir às ruas na maior das festas brasileiras. E jamais havia visto um golden shower na vida. Aliás, nem nenhuma outra depravação (ao menos tão extrema) em manifestações carnavalescas. Logo, certamente não é verdadeira a frase “É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”. Se for “isto que tem virado”, ao menos nem eu, nem mais ninguém que conheço, se deparou com alguma golden shower na cabeça enquanto se jogava na folia.
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O maior problema em relação ao trio de hashtags é que, por mais forçadas, mentirosas etc. que sejam suas origens, espalharam-se. E quando uma mentira é contada muitas vezes… periga se tornar verdade. Ainda mais no Twitter. E isso vale para jogos suicidas, monstros e para a imagem do Carnaval brasileiro – até a folia passada, festa que “fazia o filme” do Brasil lá fora.
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