Qual é o real valor de uma nota de real, ou dólar? Ou de uma barra de ouro? Ou de um pedaço de metal? Ou de um maço de tulipas? Não dá para comer uma nota de dólar, uma barra de ouro, um pedaço de metal ou tulipas (vá lá, tulipas, até dá). Também não dá para tacar 100 reais na cabeça de um inimigo, como uma arma, esperando que assim ele se sinta intimidado (na verdade, pode ocorrer algo como o contrário disso). Nem é possível, em um dia frio, se cobrir com moedas ou tulipas. Dinheiro é, e sempre foi, uma ilusão coletiva, na qual acreditamos de tal forma que ela se torna real. Logo, qual é o valor de um bitcoin?
Nos aspectos citados acima, nenhum, assim como qualquer punhado de dólares. Pelo ponto de vista da “ilusão coletiva”, contudo, é enorme – chegou a perto de 20 000 dólares no ano passado, mas agora vale em torno de 8 000 dólares (numa queda assustadora para quem saiu comprando vários deles no boom de 2017).
Notas, esferas de metal e tulipas só ganham um preço, um valor, a partir do momento em que damos isso a esses itens. Vejamos o caso das tulipas. Na Holanda do início do século XVII, essas flores eram raríssimas – e tinham sido apresentadas há pouco à população. Por isso, o valor das mesmas foi para o pico, assim como ocorreu com o bitcoin de hoje. E, assim como é com o bitcoin, ninguém sabia direito o que fazer com as caríssimas tulipas. Ok, eram lindas, artigos de luxo, ótimas para decoração. Mas valiam tanto assim?
Naquela Europa, para se ter ideia, uma única tulipa costumava trocar de mãos dez vezes num único dia. Era a moeda especulativa daqueles anos. Havia quem comprava várias sementes para ter um estoque, que podia ser revendido, ou guardado para a aposentadoria. As tulipas eram negociadas até mediante contratos futuros. O povo ficou louco com aquela nova flor, que nunca tinha sido vista antes.
Com o bitcoin, ocorreu o mesmo. É frequente que me questionem: “Vale investir em bitcoin?”. No ano passado, frente à pergunta feita para um colega, respondi: “Se você sabe lidar com mercado especulativo, sim, vai ganhar dinheiro. Mas tudo indica que se trata de uma grande ilusão. Uma bolha, como falam por aí, na falta de outro termo melhor”. Esse colega lucrou com a compra e venda de bitcoins (mesmo que menos do que ele esperava). Assim como muita gente ficou rica com a especulação em torno das tulipas do século XVII; e, muitos outros, quebraram.
A criptomoeda é tão nova para nossos olhos quanto eram as tulipas para os europeus do passado. Assim como as flores daquela época, a moeda virtual deu início a um mercado especulativo, sem regulamentação e dificílimo de ser explicado mesmo pelos maiores experts do setor financeiro.
Por efeito, a moeda, cuja unidade valia 12 dólares em 2013, chegou a quase 18 000 dólares no ano passado. De início, a valorização se deveu ao fato de ser um fenômeno novo, no qual muitos queriam mergulhar. Depois, por uma questão prática. Provou-se bem mais fácil realizar compras de produtos ilegais, a exemplo de armas de fogo e drogas ilícitas, na deep web, com o uso de criptomoedas. Assim como o bitcoin se mostrou ser um caminho, digamos, seguro praqueles que queriam lavar dinheiro.
Esses atrativos fraquejaram no ano de 2016, quando a criptomoeda foi colocada em dúvida por investidores, governos, pela mídia. Mas o que ocorreu para ela voltar a valorizar tanto em 2017? Arrisco dois motivos principais.
Primeiro, venture capitalists passaram a apostar em empresas cujos modelos de negócios se baseavam no bitcoin. Isso num esforço de apagar a imagem de ilegalidade da moeda, dando-lhe um ar mais sério. Para se ter como referência, os investimentos dos VCs em negócios que envolvem bitcoins saiu de praticamente zero em 2012 pra 600 milhões de dólares ao ano, só nos EUA.
Segundo, o bitcoin virou o ouro das criptomoedas. Existem muitas outras moedas digitais, à semelhança do bitcoin. Mas esse modelo, o mais conhecido, é a base de todos os seus iguais (assim como o ouro serve, e já serviu mais, para provar a real riqueza de uma nação). Por isso, usualmente uma nova criptomoeda já é lançada pelo seu valor em bitcoins, e passa a ser comercializada também em bitcoins. Com tantos dinheiros virtuais se espalhando por aí, mais um impulso para subir a avaliação do principal desses.
Só que, na prática, e por trás de tanta especulação, o bitcoin não vingou tanto assim. Nas bolsas de valores, como na de Chicago, a negociação em torno dele se deu em escala bem menor do que a que se esperava. Por não ser regulado por uma agência crível, ou por governos, o bitcoin também não é amplamente aceito em lojas e afins. Mais que isso, alguns países, como a Índia, a China e a Coreia do Sul, estudam proibir seu comércio. Assim como os países do G20 pensam em regularizá-lo – Brasil, inclusive.
Esses fatores (curiosidade: tudo isso também ocorreu com as tulipas do século XXI) foram determinantes para a queda recente, desde o início deste ano, do bitcoin? Sim. E a perda já passou dos 40%! Porém, esses elementos são só casuais. O que determinará se o bitcoin vingará, ou não, é outro fator.
Hoje, a grande maioria dos donos de bitcoins não usam suas fortunas digitalizadas para adquirir um carro, uma casa ou um CD do 50 Cent. O que eles querem? Dólares e reais. Tanto meu colega que me pediu algumas dicas, quanto um investidor de alto-calibre. O que quase todos os acumuladores de bitcoins visam é achar alguém que tenha interesse em dar dinheiro tradicional em troca de suas moedas digitais. Por isso, como moeda, de fato, corrente, daquelas que levamos no bolso (ou num app do smartphone), o bitcoin ainda se provou uma grande porcaria.
Indo além, o bitcoin se mostrou uma tulipa do século XVII. É uma novidade que salta aos olhos, bacana de se ter umas em casa, de exibição, mas sem fins muito práticos.
Mas então a criptomoeda é tão útil quanto um pente para um careca? Menos útil? Não é bem assim.
Primeiro, não é possível prever o futuro com 100% de exatidão. Não é mesmo? Tudo indica que o bitcoin será a tulipa do século XXI. No entanto, pode ser que a ilusão de nicho se torne uma ilusão coletiva tão forte quanto foram as notas convencionais de dinheiro. Se em uns anos a maioria das pessoas resolver dar real valor aos bitcoins, trocando-os por pãezinhos na padaria, pode ser que o mesmo se transforme no equivalente financeiro a uma grande droga alucinógena. Ou seja, que, frente à mente coletiva, ganhe relevância, como fora com as notas de dólares.
Só que mesmo se o bitcoin for apenas um flop, um fenômeno de época, ele tem seu prestígio. Muitas bolhas que estouraram no passado, como a do telégrafo, a dos trens e a da internet, serviram de percussoras de tecnologias que depois se firmaram. Com a grana digitalizada, pode ser o mesmo. No mínimo, mesmo que estoure sua própria bolha, o bitcoin deixará de herança uma tecnologia já celebrada, a do blockchain.
A ferramenta de autocertificação do bitcoin ganhou usos que vão além do setor financeiro. É aplicada, por exemplo, nas áreas de saúde, inovação, corretagem etc. Como o blockchain não passa, num resumo, de uma tecnologia que descentraliza medidas de segurança, criando um livro-razão público e quase infalível de transações (quais forem elas), ele pode ser útil a qualquer tipo de comércio.
De início, achavam até que ele tornaria algo, como pensavam com o bitcoin, totalmente à prova de hackers (ou seja, da bandidagem). Mas, por uma regrinha básica da computação, todo sistema é falho. Inclusive, o do blockchain (já houve roubos de moedas virtuais, por exemplo). Mesmo assim, essa inovação tem se provado uma das formas mais eficazes de evitar que pessoas sejam ludibriadas no mundo conectado.
Pretende comprar bitcoins? Dou, portanto, a mesma dica que concedo a todos. Se você for um espertalhão da especulação – e isso é, de muitas formas, um elogio –, vá fundo. Se você acha que vai acumular um monte de bitcoins e depois usá-los para comprar um apartamento novo, ou mesmo um croissant… saia dessa.
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