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Por Filipe Vilicic
Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Por que a nova cara do Facebook pode ser ótima para o jornalismo

E como a maior das redes sociais manobra pra tentar zarpar de uma indústria na qual nem queria ter ingressado

Por Filipe Vilicic Atualizado em 17 jan 2018, 22h55 - Publicado em 16 jan 2018, 19h59

Frente à cacofonia, ao caos repleto de mentiras disfarçadas de notícias, das redes sociais, tem-se destacado cada vez mais a importância do bom jornalismo, aquele que, independentemente de se concordar ou não com os textos vindos dele, se calca em apuração, em fatos reais, em dados, em cruzamento de informações, em checagens realizadas diretamente com as fontes primárias. Até Oprah Winfrey ressaltou essa batalha moderna em seu celebrado, e já icônico, discurso no último Globo de Ouro: “Todos sabemos que a imprensa está sob cerco nesses dias. Mas também sabemos que a dedicação insaciável a cobrir a absoluta verdade é o que não nos mantêm cegos diante da corrupção e da injustiça (…) valorizo a imprensa mais do que nunca enquanto tentamos navegar nesses tempos complicados”.

Por isso, diante desse cenário, o último anúncio do Facebook, na semana passada, pode parecer incoerente. Segundo destacou Mark Zuckerberg, criador e CEO do site, a timeline passará a valorizar ainda mais o que tem a dizer amigos e familiares, frente aos posts de páginas públicas, como as de marcas e as de veículos de imprensa. Ou seja, sites confiáveis perderiam prestígio, enquanto o que um tio tem a falar sobre seus gostos culinários, ou predileções políticas, aumentaria em relevância. Claro que a lógica continuará a se quebrar caso uma marca, ou uma mídia qualquer, escolha pagar para promover uma publicação no site; aí o post, em forma de link patrocinado, se elevaria na hierarquia estabelecida pelo algoritmo (afinal, no fim do dia, uma das missões principais do Facebook é lucrar).

Testes realizados em seis países, como Bolívia e Eslováquia, já mostraram quais devem ser as consequências dessas mudanças. Sites de veículos de imprensa de maior tradição e credibilidade perderam acessos, antes vindos via Facebook. Sem pagar por anúncios, o mesmo ocorreu com marcas, que em seus posts promovem os próprios produtos. Do outro lado da moeda, aumentou-se o compartilhamento de links de conteúdo duvidoso, muitos dos quais disseminadores das notícias falsas (as fake news). A reação primária diante desses dados tem sido algo como “olha aí o Facebook valorizando a desinformação novamente; assim é que o mundo desandará, a imprensa acabará e se dará o apocalipse”.

Mas respiremos fundo e passemos a pensar em médio prazo. Não haverá apocalipse, nem pro mundo, nem pra imprensa. Pelo contrário, se a mídia souber lidar com o cenário, pode sair bem mais fortalecida do mesmo.

O Facebook jamais intencionou se tornar uma plataforma de informações, digamos, sérias. E Zuckerberg insiste em ressaltar isso. Quando foi criado, nos idos de 2004, a ideia era que fosse um espaço de troca de ideias fúteis entre universitários. Aí o Facebook cresceu e a proposta passou a ser o de uma praça pública onde por vezes nos deparamos com um familiar esquecido ou um amigo das antigas. De uns tempos pra cá, contudo, a coisa fugiu do controle pra Zuckerberg e a rede social passou a ser duramente criticada por ter se tornado uma Babel em ruínas, toda destruída após o toque divino, onde é difícil separar informações corretas das surreais, quando não intencionalmente falaciosas.

Em resposta, Zuckerberg primeiro avaliou que o caminho seria ressaltar que seu Facebook nada tinha a ver com o debate, pois era só para ele se tornar um ponto de encontro entre pessoas conhecidas. Disse ele em 2016: “Nosso objetivo é dar voz a cada pessoa, levando em conta que as pessoas entendem o que é importante para suas vidas e que a expressão de suas visões é o que impulsiona não só nossa comunidade, como a democracia, no geral. Algumas vezes, quando as pessoas usam suas vozes, elas falam coisas que parecem erradas e dão apoio a pessoas com os quais discordamos. Mas de todo o conteúdo no Facebook, mais de 99% do que se vê é autêntico. Só uma pequena parcela é de fake news e enganações”.

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Depois, o todo-poderoso da internet assumiu, em 2017, que o treco todo havia desandado: “Pelas formas como meu trabalho foi usado para dividir pessoas, em vez de uni-las, peço perdão, e irei trabalhar melhor”. Por fim, na semana passada, Zuckerberg resolveu voltar ao esforço inicial de não tentar associar sua plataforma a um disseminador de notícias (das verdadeiras, ou das simplesmente falsas): “Em seu melhor, o Facebook é sobre conexões pessoais. Ao focar em aproximar as pessoas – seja família ou amigos, ou em torno de importantes momentos do mundo –, podemos ajudar a certificar que o Facebook representa um bom gasto de tempo”. Em outras palavras, ele quis reafirmar: o Facebook é para papos informais entre quem conhecemos, não para debater fatos que atormentam, ou engrandecem, a civilização.

Não é a primeira vez que o Facebook adota tal tática. Em 2015, já havia anunciado que valorizaria menos as páginas públicas. No ano passado, alertou que destacaria a formação de comunidades de pessoas; ou seja, por efeito contínuo, diminuiria a relevância da comunicação feita de um (uma mídia ou marca) para todos (o público), em favor da entre muitas pessoas e outras muitas pessoas. Agora, Zuckerberg voltou a alterar seu algoritmo – parece que de forma mais eficaz, nesse intuito –, com a mesmíssima meta.

Desta vez, a ideia é que o algoritmo faça subir, em sua hierarquia virtual, posts de nossas redes de contatos e, em especial para este debate, conteúdos com os quais as pessoas interagem mais, compartilhando-os ou comentando-os. Com isso, a meta é voltar a tornar o Facebook conhecido pelo o que ele sempre quis ser: o lugar ideal para fazer uma reunião de família, daquelas nas quais discutimos com um parente mais velho que tem visão distinta da nossa sobre a vida, ou damos aquela risada forçada (ou curtida padrão) numa piada estilo “pavê ou pacumê” feita por um tiozão.

Se a tática vier a dar certo, as pessoas parariam de recorrer ao Facebook para checar notícias, ou para entrar em debates sérios. Assim, voltariam a clamar pelos profissionais na hora de se informar sobre o que está acontecendo por aí. Ou seja, recorreriam, no cenário ideal, aos jornais, às revistas, aos programas de TV, aos sites noticiosos de prestígio etc. E quem não quisesse se informar, que se contentasse com o que teriam a falar seus contatos nas redes sociais, seria representante típico daquele mesmo tipo de indivíduo que nunca pensou em ler um jornal na vida. O que só se informa do que ocorre no planeta em reuniões de condômino, em encontros de pais na escola, ou conversando com alguém mais informado numa festinha de aniversário (e, agora no âmbito virtual, ao entrar no Facebook ou no Twitter).

Entretanto, parece que os principais atores desse jogo não colaboram com a lógica do Facebook. Quando a rede social ganhou corpo, nela se valorizou aquilo que era mais visto e curtido. É óbvio que uma lista de dicas para emagrecer no verão, ou uma compilação de imagens de gatinhos em situações cômicas, ou a foto nua de uma celebridade, chama mais atenção (views e curtidas) do que uma notícia sobre idas e vindas da economia nacional, ou do ato de corrupção de um deputado. A reação esperada seria, portanto, que se desprezasse o Facebook como propagador de notícias sobre idas e vindas da economia nacional, ou do ato de corrupção de um deputado. No entanto, reagiu-se, por parte de uma grande parcela dos representantes da mídia e dos leitores, de forma oposta. Passou-se a valorizar listas, memes, imagens de celebridades nuas, na tentativa de conquistar mais views e curtidas. Quem saiu perdendo? O bom jornalismo.

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Agora, o Facebook avisa: o conteúdo que ganhará maior relevância será aquele mais compartilhado e comentado. O que é mais compartilhado e comentado? Celebridades nuas (sempre!), fofocas, memes, virais, declarações polêmicas de sei lá quem. O que é pouco compartilhado e comentado? Debates cabeça, artigos longos, livros com sacadas inteligentes, textos finíssimos.

Mais uma vez, parece que Zuckerberg convida intelectuais, jornalistas, veículos de imprensa, a se retirarem do Facebook; ou, então, a pagar para promover o que publicam. O risco é ocorrer o contrário: a mídia tentar mais uma vez se adaptar à estratégia dos memes e passar a valorizar o que pode ser mais compartilhado, ou comentado, em vez daquilo que, por escolhas profissionais feitas por pessoas treinadas para tal, é avaliado como mais importante.

Se isso voltar a ocorrer, o maior problema que persistirá é o de as pessoas, os leitores, os espectadores, continuarem a achar que o Facebook é mesmo um bom ambiente para se achar informação. No lugar disso, deveriam entender que, como numa reunião familiar, não se trata do espaço ideal para tal. Na internet, quem quer se informar deveria é eleger um site noticioso de sua preferência, um agregador de notícias etc. Não o Facebook; pois, novamente assim como nas reuniões de família, não é a proposta do mesmo.

O ser humano, como espécie, infelizmente não é apto (ou tem preguiça de se tornar apto…) a separar o joio do trigo por conta própria. Se estiver tudo misturado, como é no Facebook de hoje, há confusão, com dois possíveis fins: ou se acha que tudo lá é joio, ou que é trigo. Por que, então, não deixar só joio num lugar, e o trigo em outro? Assim, se saberia onde encontrar cada um.

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