Em qualquer situação, mas ainda mais em tempos de fake news, vale a seguinte regra: desconfie de números estrambólicos. Nos dias que se seguiram ao ataque, a tiros, contra o público de um concerto de música country na noite de domingo passado, em Las Vegas, difundiu-se o dado de que nos Estados Unidos ocorre mais de um massacre do tipo por dia. Trata-se, de fato, de uma informação assombrosa. Mas será verdadeira?
A estatística foi difundida pelo jornal americano The New York Times em um editorial impactante, que se resume a um título (“477 dias. 521 tiroteios em massa. Zero ação do Congresso.”) e um gráfico que mostra um calendário que começa no dia 12 de junho de 2016, quando houve o massacre numa boate gay em Orlando, e termina no último dia 1º de outubro, data do ataque em Las Vegas. O gráfico informa o número de massacres em cada mês e os dias em que eles ocorreram. No rodapé, o jornal informa que a sua definição de “tiroteios em massa envolve quatro ou mais pessoas feridas ou mortas em um único caso ocorrido ao mesmo tempo no mesmo lugar”.
Aí é que está. Por esse critério, todo e qualquer tipo de tiroteio com feridos ou mortos entra na categoria “tiroteios em massa”. O problema é que, por não ter dado maiores informações e por ter definido o início e o fim do período do levantamento com base em dois casos muito claros do que também se convencionou chamar de “assassinatos em massa a tiros” (o episódio de Orlando e o de Las Vegas, ambos cometidos por cidadãos comuns que, aparentemente sem motivo, planejaram a matança indiscriminada de pessoas desconhecidas), o jornal passou a impressão de que todas as ocorrências fazem parte do mesmo fenômeno. Não fazem.
A maioria dos episódios que compõem a estatística são o que os brasileiros conhecem como “chacinas”, termo muito presente nos noticiários policiais. Chacina pode ser, por exemplo, o assassinato de todos os integrantes de uma família em um ato de vingança, ou o massacre dos frequentadores de um bar em um acerto de contas (como o episódio que levou a julgamento dois policiais militares e um guarda-civil, em Osasco), ou o resultado de uma disputa entre gangues.
Há outras formas mais precisas de definir e contar os tiroteios em massa. Esta reportagem do The Washington Post, de 2015, usa como critério um número mínimo de 4 mortos. Este outro levantamento mais recente do Post é ainda mais restrito e, a meu ver, mais criterioso na definição: são contados apenas casos em que quatro ou mais pessoas morreram pelas mãos de um único atirador (ou dois, em três casos). Dessa forma, ficam de fora muitos dos episódios que no Brasil seriam considerados chacinas ligadas a vinganças, tráfico de drogas, grupos de extermínio ou acertos de contas. No total, ocorreram nos Estados Unidos 131 ataques a tiros em massa, em que morreram 948 pessoas, desde 1966. Continua sendo um dado espantoso, mas pelo menos abarca um mesmo fenômeno, que nos Estados Unidos já está sendo chamado de epidemia.
É importante tipificar bem os massacres para conseguir identificar suas causas e combatê-los de forma mais eficiente. Colocar crimes díspares no mesmo saco apenas causa confusão.