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Novo livro reacende a polêmica sobre o primeiro homem a pisar no Ártico

O médico Frederick Cook disse ter sido o pioneiro, mas até hoje a sua peripécia é contestada

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 11 jun 2023, 08h00

Guerra de narrativas, fake news, fraude. Parece uma intriga contemporânea, mas aconteceu há quase 120 anos, nos Estados Unidos. Envolveu o explorador Robert Edwin Peary e o jovem médico Frederick Albert Cook. Na época, ambos alegaram ter sido os primeiros a chegar ao Polo Norte, um feito certamente extraordinário. Cook reivindicou o título para si, apoiado em um telegrama de 1909, no qual disse que havia conquistado o objetivo em 1908. Peary, um calejado desbravador de territórios inóspitos, contestou a história. Por muito tempo, a disputa pendeu para o lado do cirurgião, em razão de sua origem e de seus modos simples. No entanto, um livro publicado agora no Reino Unido argumenta que talvez o personagem não mereça a estatura que lhe conferiram.

Publicado pela editora britânica The History Press, The Explorer and the Journalist (O explorador e o jornalista, em uma tradução livre) mostra que a comunidade científica abraçou Cook por razões triviais. Filho de imigrantes alemães, ele cresceu em um bairro pobre de Nova York, tinha aparência de um homem simples e nunca deixou de dar crédito ao que aprendeu com os inuítes — nação indígena esquimó que habita as regiões árticas do Canadá, do Alasca e da Groenlândia. Era praticamente um antídoto contra figuras grandiosas e impositivas como seu oponente Peary e o norueguês Roald Amundsen, que liderou a primeira expedição a atingir o Polo Sul, em 1911.

ÁRTICO - Aurora boreal ilumina noite no norte do planeta: beleza intocada
ÁRTICO - Aurora boreal ilumina noite no norte do planeta: beleza intocada (Owen Humphreys/PA Images/Getty Images)

Richard Evans, autor do livro, chama a atenção também para o papel do jornalista Philip Gibbs nessa controvérsia. Quando Cook anunciou que chegaria de barco a Copenhague, em setembro de 1909, repórteres de toda a Europa correram para encontrá-lo. Gibbs, um obscuro profissional britânico, era um deles. Uma entrevista exclusiva deixou-o em dúvida sobre a história do explorador. “Enquanto a sociedade científica e os colegas exploradores de Cook lhe davam o benefício da dúvida, Gibbs foi um dos primeiros a questioná-lo”, diz Evans. A principal evidência de sua farsa: uma grande massa de terra que Cook dizia estar no caminho para o Polo Norte nunca existiu. E as provas que ele dizia ter nunca foram exibidas.

A suspeita de Gibbs e sua perseguição a Cook foi repetida tantas vezes nas redações e pubs da Fleet Street, o coração da imprensa no Reino Unido, que se tornou parte da lenda do jornalismo britânico. Anos depois das reportagens que questionavam o explorador americano, o Daily Express, no qual o repórter trabalhava, classificou o trabalho como “um triunfo da intuição e perseverança”. Um livro sobre a história do jornalismo britânico publicado depois da II Guerra lembrava que “Fleet Street sentiu que havia demonstrado grande coragem ao apresentar suas conclusões, bem como astúcia ao for­mulá-­las tão rapidamente”. A verdade é que o reconhecimento demorou a chegar e só ocorreu depois que o explorador acabou se traindo.

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Cook, na verdade, alimentou o empenho de Gibbs e Peary para sua destruição. Com seus feitos questionados, ele mergulhou em uma espiral descendente. O ponto mais baixo da trajetória, contudo, ainda estava por vir. Em 1923, foi preso por fraude financeira e teve seu casamento desfeito — a última pá de terra sobre a já anêmica reputação. Até hoje a Sociedade Frederick Cook defende o explo­ra­dor. “Aqueles de nós que apoiam o Dr. Cook citam o trabalho de caridade que ele fez ao longo de sua vida como prova de seu caráter extraordinário”, diz Carol Smith, diretora executiva da Sociedade. “No final, talvez a verdadeira questão não seja qual é a verdade, mas o que é a verdade.” Até hoje, o fato é questionado e Peary tampouco recebeu os louros dessa conquista.

Realmente, persistem dúvidas sobre quem foi o primeiro aventureiro a chegar ao Polo Norte. A maioria dos especialistas, no entanto, aposta em Amundsen. “Ainda existem pessoas que querem ir para a Lua, para Marte ou para outros planetas”, justifica Anders Bache, consultor do museu Casa de Roald Amundsen. Curiosamente, o explorador norueguês foi um dos principais apoiadores de Cook. Eles se conheceram em uma das expedições que ocorreram no fim do século XIX. Inspirado por Cook, Amundsen sobrevoou o Polo Norte em um dirigível, em 1926, e foi o primeiro não nativo com provas concretas de que esteve sobre o ponto em que todas as direções apontam para o sul. O mundo, como se vê, dá voltas.

Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845

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