Às vésperas do anúncio para o Nobel da Paz, concedido ao primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, as principais apostas estavam divididas entre a ativista ambiental sueca, Greta Thunberg, de 16 anos, e o Cacique Raoni, que acumula décadas de luta pela preservação do meio ambiente e a conquista de direitos dos povos indígenas. Com quase três décadas de atuação na Amazônia, o ecólogo e diretor executivo do Earth Innovation Institute, Daniel Nepstad, afirmou que nunca viu um momento de tanta polarização na floresta quanto o atual. Para o ambientalista, ao invés de o governo continuar com a tática de manter um discurso inflamado sobre as questões ambientais, o momento pede ações concretas para que produtores rurais tenham incentivos para trabalhar na floresta e mantê-la em pé.
Qual é a opinião do senhor sobre o clima que dominou as declarações sobre o meio ambiente nas semanas que antecederam a divulgação do Nobel da Paz? As queimadas na Amazônia chamaram a atenção do mundo por causa da preocupação em relação às falas do presidente Jair Bolsonaro sobre voltar atrás em políticas e programas ambientais, como abrir terras indígenas para agricultura e mineração. Este foi um ano intenso em focos de fogo, mas não o pior. Com a dimensão internacional, a repercussão foi maior do que em períodos anteriores. A questão é se poderemos usar essa atenção para ter uma solução sistêmica. Não se trata de enviar algumas pessoas para apagar incêndios. É necessário investir em uma forma diferente de desenvolvimento.
O senhor acredita que as queimadas podem estimular o debate sobre as alterações do clima? As mudanças climáticas não foram um fator para o aumento das queimadas neste ano, elas estão relacionadas ao desmatamento. Mas é uma grande oportunidade para chamar atenção para o fato de que, em um mundo em aquecimento, as queimadas se tornarão mais comuns. A atenção global na Amazônia pode tornar as pessoas conscientes sobre esse risco.
Qual seria a importância de um Nobel da Paz para o Cacique Raoni? Se o Raoni tivesse vencido, a premiação teria colocado os povos indígenas da Amazônia em evidência. Se ele tivesse ganhado, o tema ficaria sob os holofotes e o governo seria forçado a agir.
O que poderia repercutir negativamente? Há sempre o risco de uma história ser contada de um jeito errado. Existe a tendência de demonizar os fazendeiros na Amazônia, por serem quem derruba e queima a floresta. Contudo, temos que reconhecer que há fazendeiros que querem fazer as coisas certas, enquanto há grileiros que roubam a terra e cometem ilegalidades para tomar conta do território. Se nos esquecermos do primeiro grupo de fazendeiros, os que atuam dentro da legalidade, a situação piorará.
De que forma essa generalização repercute entre os moradores da floresta? A preocupação é não polarizar ainda mais o debate sobre a Amazônia. Trabalho há 35 anos com a floresta e esse é o pior momento de polarização entre grupos ambientalistas e fazendeiros. Estamos perdendo os trabalhadores rurais que continuam na prática porque gostam da natureza, querem estar em contato com a terra e querem seguir a lei. Mas eles também querem regras justas para que o vizinho que derrubou a área de reserva legal não tenha vantagens porque descumpriu a lei e ainda ficou com um terreno que vale mais.
Qual é a opinião do senhor sobre o movimento liderado pela ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos? Fui ao Rio de Janeiro em 1992, durante a Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Desde então, passaram-se 27 anos para conseguir uma força global para chamar atenção para as mudanças climáticas. Conseguimos o Acordo de Paris, em 2015, e ainda não é suficiente. A forma como ela fala é importante e necessário. Finalmente o assunto ganhou a atenção necessária e isso só aconteceu por meio das crianças. Quando elas matam aulas, os pais prestam atenção no que os filhos estão fazendo. Ela fez um serviço importantíssimo para mostrar a crise em que estamos e balançou os políticos ao dizer que as lideranças globais não estão tomando todas as providências necessárias.
O senhor acredita que a repercussão internacional sobre o Brasil foi mais política do que ambiental? Bolsonaro falou coisas muito polêmicas que não são boas para o Brasil. Como vimos, o Brasil não entrou na OECD e, ironicamente, a Argentina deve seguir em frente. O acordo entre União Europeia e Mercosul também degringolou. As retaliações estão acontecendo. Quando você tem o Blairo Maggi, um dos maiores empresários do agronegócio e ex-ministro da Agricultura, que realmente entende o negócio de soja, dizendo que o Brasil está dando um tiro no pé, isso deveria ser uma preocupação para o Bolsonaro. Alguns elementos de suas políticas, como o aumento de segurança e de eficiência em processos regulatórios, são muito importantes e devem ser trabalhados intensamente para melhorarem a situação da Amazônia. Contudo, é uma pena que as falas inflamadas criam um impacto ruim e sem trazer ganhos para o Brasil. É muito negativo falar que as terras indígenas deveriam ser abertas para agricultura e mineração. É possível conciliar o crescimento econômico com a proteção da floresta, sem criar tanta polarização da forma como está acontecendo. Há uma desconexão entre os aspectos positivos da plataforma do presidente. Enquanto o governo fala em aumentar a eficiência de processos, as ações mostram uma estratégia de desmonte.
O que o senhor espera para o futuro do Brasil e da Amazônia? Estamos em um momento importante para sair do discurso agressivo e partir para a ação. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem uma parceria para desenvolver um fundo que atrairia investidores. Isso pode ser muito importante. Acredito que coisas assim têm que se tornar o foco do governo para demonstrar ações e benefícios para os fazendeiros que ainda não viram o lado positivo de manter a floresta em pé. É um tempo de ação. Nem tudo depende do governo brasileiro. A comunidade internacional também precisa agir e colocar o dinheiro na Amazônia, investir em negócios de desenvolvimento sustentável e novos modelos de agricultura.