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É bom duvidar do aquecimento global. É ruim apostar contra

Um grupo de pesquisadores não se convence de que a Terra esteja esquentando por causa do homem. E isso é bom para a ciência

Por Daniel Jelin Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2016, 14h48 - Publicado em 16 jun 2012, 22h07
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  • Contam que o filósofo grego Pirro de Élida (séculos IV e III a.C.), pai da escola cética, deixou Anaxarco caído no pântano e seguiu seu passeio, imperturbável, sem se convencer de que o amigo precisava de ajuda. Estava inventando a indiferença – para azar de Anaxarco.

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    Como Sócrates, Pirro não deixou nada escrito. Coube ao médico Sexto Empírico (séculos II e III d.C.) compilar e dar forma à tradição do ceticismo pirrônico. Ao fazê-lo, distinguiu três tipos de pensador: o dogmático, o acadêmico (da Academia de Platão) e o cético. O primeiro acredita conhecer a verdade. O segundo acha isso impossível. O último continua investigando (‘sképsis’, donde o termo ceticismo). É uma definição discutível da escola platônica, mas ilustra bem o papel que os céticos reclamam para si: demolir dogmas.

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    Sexto Empírico foi redescoberto no século XVI. O francês Michel de Montaigne ficou impressionadíssimo. Tornou-se leitor devoto, adotou dos antigos céticos a suspensão do juízo e acabou legando, com seus Ensaios, um novo gênero literário, em que a busca e a experimentação predominam sobre conclusões e teses generalizantes. De um dos Ensaios, consta a famosa divisa que Montaigne mandou gravar numa medalha: ‘que sais-je?’ (‘que sei eu?’).

    Descartes, no século XVII, também mergulhou fundo na dúvida. Fez tábula rasa do legado dos antigos, chegou a questionar a própria existência, mas emergiu com um tratado para ‘bem conduzir a razão e procurar a verdade nas ciências’, conforme o subtítulo do famoso Discurso sobre o Método, marco da ciência e da filosofia moderna.

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    O ceticismo pode ser paralisante, demolidor, prudente ou estimulante. É, de qualquer forma, o estado natural do cientista, e não deveria causar desconforto o fato de um punhado de cientistas não se dobrar à convicção majoritária de que: a Terra está esquentando; a culpa é do homem; as emissões de gases devem ser contidas; se não, virá a catástrofe. Mas causa – e como.

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    A patrulha – Richard Lindzen, físico respeitado do MIT, não descarta que a temperatura da Terra esteja subindo, nem que o homem tenha parte nisso. Mas – heresia! – acha que o planeta vai se reequilibrar, e que não será preciso reduzir as emissões de gases do efeito estufa 5% abaixo dos níveis de 1990, conforme postula o Protocolo de Kyoto. Seus colegas não perdoam. Christopher S. Bretherton, da Universidade de Washington, acha a posição de Lindzen ‘intelectualmente desonesta’. Kerry Emanuel, do mesmo MIT que Lindzen, acha ‘antiprofissional e irresponsável’.

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    As declarações autoritárias de Bretherton e Emanuel, feitas em abril ao New York Times, ilustram a verdade inconveniente que o ex-vice-presidente americano Al Gore não quis ver: para prejuízo da ciência, o tema das mudanças climáticas foi sequestrado por todo tipo de engajamento, os discursos políticos de ocasião, os interesses econômicos e, principalmente, as barulhentas utopias ambientalistas.

    O cético Lindzen é um dos 16 autores de um artigo, publicado pelo Wall Street Journal no início do ano, que enfureceu a patrulha ambientalista. Nele, pesquisadores de diferentes disciplinas dizem que ‘não é preciso entrar em pânico por causa do aquecimento global’, acusam o cerco aos céticos e reclamam o direito – básico – à discordância, mencionando o caso do norueguês Ivar Giaever.

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    Vencedor do Prêmio Nobel de física de 1973, Giaever se desligou em setembro de 2011 da respeitada Sociedade Americana de Física em protesto contra o engajamento da entidade na causa ambientalista, expressa em um comunicado que dizia haver evidências incontestáveis do aquecimento global. ‘Incontestável não é uma palavra científica’, disse, na ocasião. ‘Nada é incontestável em ciência.’

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    O pecado dos céticos – Ao artigo de Lindzen e cia., seguiu-se, primeiro, a refutação de 38 cientistas. Em artigo também publicado no WSJ, estes pesquisadores rebatem os dados e acusam os outros 16 de… ignorar o consenso: ‘pesquisa mostra que 97% dos cientistas com produção ativa na área concorda que a mudança climática é real e causada pelo homem.’ E defendem a reserva de mercado: ‘consulte um climatólogo para opiniões sobre o clima’. Paralelamente, a patrulha ambientalista atuou de forma mais pesada e cobriu metade dos 16 cientistas com a suspeita de servir aos interesses da indústria do petróleo e do gás.

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    Esta reação demonstra algumas das críticas mais recorrentes aos céticos: que eles não publicam suas ideias nas revistas mais importantes; que falam muito à imprensa e pouco nos congressos científicos; que não têm formação em climatologia (ou formação qualquer); que devem seu trabalho ao financiamento das corporações. Há alguma verdade nisso, mas de modo nada surpreendente.

    A publicação científica é regulada pelos próprios cientistas (o chamado peer review, a revisão pelos pares), o que torna quase impossível furar uma convicção hegemônica. Em 2003, Chris de Freitas, então editor do Climate Research, foi alvo de uma campanha que pedia seu afastamento por ter permitido a publicação de um artigo da lavra da turma do contra.

    Também o financiamento científico é decidido, em grande parte, pelos próprios pesquisadores. Não admira que as vozes dissonantes sejam mais ouvidas fora da panela acadêmica. E que achem financiamento no setor privado, em particular nas corporações mais combatidas pelos ambientalistas, alvo das mais descabeladas propostas de taxação ‘verde’. A tal pesquisa que saiu na Climate Research tinha entre seus apoiadores o American Petroleum Institute e a Nasa. Quanto à acusação de melar a observação científica em favor de interesses escusos, bom, aí é reduzir o dissenso à má fé.

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    Alarmismo a qualquer custo – Na tentativa de tutelar a opinião pública, os engajados não poupam esforços. James Lovelock, o guru dos ambientalistas, chegou a prever que: o flagelo ambiental vai reduzir a população mundial dos atuais 7 bilhões para 600 milhões; o Saara vai avançar sobre a Europa; Miami, Londres e Pequim se tornarão inabitáveis; o resto da humanidade vai viver confinada no Ártico. Quando foi capa da revista Rolling Stone, Lovelock era o incensado ‘profeta das mudanças climáticas’. Em maio de 2012, aos 92 anos, Lovelock recuou e admitiu ter exagerado nas previsões (não diga!). Só que agora tentam reduzi-lo a uma caricatura. A explicação: a especialidade de Lovelock não é o clima.

    “O ambientalismo tem sido usado para propósitos muito diferentes”, diz o jornalista inglês James Delingpole, um dos mais articulados críticos do alarmismo, em entrevista a VEJA desta semana. “Tornou-se um ataque ao sistema capitalista e à liberdade de mercado. Isso ajudou a incrementar taxações e regulamentações que se revelaram um suicídio, e que estão aprofundando a crise econômica.”

    Foi Delingpole, em seu blog no jornal The Telegraph, quem cunhou a expressão ‘climagate’ para o escândalo envolvendo cientistas do IPCC, o painel de mudanças climáticas da ONU, vencedor do Nobel da Paz. Em 2009, um grupo de hackers invadiu a conta de e-mails de renomados pesquisadores do painel da ONU e divulgou sua correspondência na internet. Revelou-se então a disposição de alguns trapalhões em esconder dados que não corroboravam o pensamento único do aquecimento global. O climatologista inglês Phil Jones, um dos papas da climatologia, admitiu a manipulação. Em 2010, o painel da ONU sofreu novo abalo quando veio à tona que uma pesquisa que previa o derretimento de todo o gelo do Himalaia até 2035 não tinha fundamento nenhum.

    O estado da arte e as incertezas do clima – As escorregadas são graves, mas não desautorizam o IPCC, que continua sendo o principal fórum do clima. A compilação feita pelo painel da ONU é o estado da arte das pesquisas do clima. É fanatismo puro – de sinal trocado – comparar quem leva a sério as conclusões de milhares de cientistas a assassinos notórios, como recentemente fez um think tank de Chicago, o Heartland Institute. Só que não dá para tomar os relatórios do IPCC com uma espécie de consenso definitivo – consenso é para os políticos.

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    Além de tudo, é bom esclarecer que, da constatação do aquecimento global à identificação das causas, dos efeitos e ações reparadoras, o dissenso aumenta. Assim, são poucos os cientistas que, como o físico brasileiro Luiz Carlos Molion, acreditam que a Terra simplesmente não está esquentando (ao contrário, estaríamos caminhando para uma nova era do gelo) . Menos raros, mas ainda uma minoria, são os que admitem o aumento de temperatura, mas não estão convencidos da influência humana. É gente como Henrik Svensmark, físico dinamarquês, que atribui papel mais decisivo na oscilação da temperatura a explosões estelares a milhões de anos-luz de distância. Quanto à credibilidade dos modelos matemáticos que projetam o futuro do clima, aí a divergência aumenta consideravelmente, e há cenários para todo tipo de espírito: otimistas, moderados, pessimistas, catastrofistas etc.

    Em carta aberta à presidente Dilma Rousseff, divulgada em maio, Molion e outros 17 cientistas brasileiros – geólogos, geógrafos, engenheiros, meteorologistas e físicos – fazem uma dura crítica ao alarmismo, negam a influência humana no clima global e cobram ‘uma guinada para o futuro’ na Rio+20: ‘o alarmismo ambientalista, em geral, e climático, em particular, terá que ser substituído por uma estratégia que privilegie os princípios científicos, o bem comum e o bom senso.’

    Para o físico e matemático anglo-americano Freeman Dyson, um dos mais moderados críticos da hipótese do aquecimento global causado pelo homem, as modelagens climáticas até funcionam para o movimento da atmosfera e dos oceanos, mas são muito ruins para lidar com as nuvens, os campos e as florestas. “De forma alguma estes modelos descrevem o verdadeiro mundo em que vivemos”, diz.

    Esta divergência é própria da ciência – em particular das ciências naturais, cujo objeto de estudo não se reproduz em laboratório. Investigar essas zonas cinzentas é justamente o que permite aperfeiçoar as projeções climáticas. Dyson condena o ostracismo a que são condenados cientistas que tentam furar a hegemonia do aquecimento global. “O mundo sempre precisou dos ‘hereges’ para desafiar as ortodoxias.”

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    “A principal fonte de incerteza para a pesquisa do clima é a influência das partículas de aerossois, nuvens e precipitações na temperatura da Terra”, diz o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo. Artaxo é membro da equipe do IPCC e está convencido do impacto humano no clima e da necessidade de baixar as emissões de CO2. “O sistema climático é extremamente complexo e de comportamento caótico. Por causa disso, é muito difícil ou até impossível fazer previsões exatas. E é possível que seja sempre assim”, afirma Artaxo. “Mas isso não quer dizer que o homem deva continuar usando os recursos naturais da Terra até que eles se esgotem ou lançando na atmosfera partículas e substâncias poluentes, comprometendo o equilíbrio do planeta.”

    Ceticismo e imobilismo – Mas afinal, quem tem razão? Que sais-je?! A pergunta pode ser enganosa. Não é necessário dar razão ao IPCC ou aos céticos. Para os pesquisadores que não se entregaram ao engajamento barato, a disputa é uma só: por uma ciência do clima mais robusta.

    No fim da vida, o genial matemático, físico e filósofo Blaise Pascal era tudo menos um cético. Cristão fervoroso, retirou-se do mundo e passou a dedicar-se ao proselitismo religioso. Em sua cruzada evangelizadora, desenvolveu um curioso argumento para superar o impasse da fé. O raciocínio é o seguinte: se Deus existe, o fiel se salva, e o infiel é condenado à danação eterna; se Ele não existe, tanto faz ter sido devoto ou não. Disso se deduz que, em qualquer caso, o crente tem muito a ganhar e nada a perder, e o descrente, nada a ganhar e muito a perder. É a chamada ‘aposta de Pascal’.

    Claro, o argumento perde força – toda a força, pode-se argumentar – quando se considera que o infiel correrá sempre o risco de converter-se à religião errada. Ou quando se descobre que a aposta tem um custo: o tempo de devoção, o sacrifício de certos hábitos etc.

    O paralelo com o aquecimento global – feito religião pelos ambientalistas – é tentador. O que se ganha apostando no aquecimento global? Se a maioria dos cientistas estiver mesmo com a razão, temos muito a ganhar ao incentivar desde já uma cadeia produtiva mais limpa e muito a perder se ignorarmos os alertas da comunidade científica. E se o aquecimento global for uma ficção? Ainda assim ganhamos com o combate à poluição, a fiscalização das queimadas, a pesquisa de energias renováveis etc.

    Mas aqui também há o risco de converter-se ao ‘aquecimento global’ errado – daí a enorme responsabilidade do IPCC. A aposta no desenvolvimento sustentável só faz sentido protegida do fanatismo dos que cobram o sacrifício da modernidade, a devoção à causa ambientalista e a interdição do debate científico.

    Conheça abaixo algumas das visões alternativas ao aquecimento global:

    *(com reportagem de Talita Fernandes)

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