Nos últimos meses, muito se tem falado sobre o antropoceno, época geológica que marca o impacto da atividade humana no planeta. O local escolhido pelos cientistas para marcar o início desse novo tempo foi o lago Crawford, no Canadá, que registrou em seu solo traços bem marcados da atividade atômica que floresceu no século passado. No entanto, isso não aconteceu apenas por lá. A corrida armamentista da Guerra Fria também ficou marcada nas terras brasileiras. E esse impacto é mostrado – ao lado de dezenas de outras ações antrópicas – pelo documentário A Era dos Humanos, que chega aos cinemas nesta segunda-feira, 11.
As marcas no solo foram registradas pelo pesquisador Rubens Cesar Lopes Figueira, do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP). Ao longo de 10 anos, ele e seu grupo de pesquisa coletaram 24 amostras ao longo da costa brasileira. E, a partir delas, conseguiram detectar traços de césio-137, uma forma radioativa do elemento que se depositou em uma camada do solo que coincide com o período da Guerra Fria, quando muitos testes de bombas atômicas e de hidrogênio ocorreram.
“Os testes nucleares vão introduzindo elementos radioativos artificiais no ambiente”, afirmou Figueira em entrevista à VEJA. “Esses elementos se espalham pela atmosfera e se depositam em todo o mundo – dependendo do solo, isso fica registrado nas camadas de sedimentos.”
No lago Crawford, o elemento detectado foi o plutônio, diferente do analisado pelos pesquisadores brasileiros, mas a causa da ocorrência dessas fontes de radiação é a mesma. A diferença é que a meia vida do césio-137 é de 30 anos e a do plutônio é de 24 mil anos, ou seja, em algumas décadas o primeiro deixará de ser detectável, enquanto o segundo ficará registrado nos solos lamosos de todo o mundo por muitos milênios. Trata-se de uma marca quase definitiva da nossa passagem por aqui.
No filme, produzido pelo Grupo Storm, dirigido por Iara Cardoso e apresentado por Marcos Palmeira, o pesquisador brasileiro foi convidado a coletar um testemunho, como são chamadas essas amostras, do solo de Caravelas, na Bahia, onde esse isótopo radioativo também ficou marcado.
Essa é apenas uma das evidências da passagem dos humanos pelo planeta que foram registradas pelo filme. Em meio à condução de Marcos Palmeira, de inserções do apresentador Luciano Huck e comentários de empresários do ramo da energia elétrica, pesquisadores e divulgadores científicos atestam o tamanho do impacto antrópico na natureza. “Os cientistas brasileiros têm pesquisas incríveis e apresentamos em A Era dos Humanos mais de vinte áreas do conhecimento para mostrar que tudo está conectado”, afirmou a VEJA a diretora Iara Cardoso.
Os impactos são mesmo extensos, e ficam marcados pelo desequilíbrio – as emissões de gases do efeito estufa que se assemelham às que causaram grandes extinções, o fogo que dizima ecossistemas, a água contaminada com microplásticos, a terra explorada à exaustão.
Em meio ao tom apocalíptico dessa torrente de resultados alarmantes, no entanto, há uma mensagem de esperança, que na voz inspiradora do apresentador é apoiada no respeito e na empatia. “Sem dúvida, podemos reverter este cenário”, afirma Cardoso. “Precisamos repensar nossa relação com o planeta e com os outros seres vivos que compartilham conosco esta casa comum. Ao nos conectarmos à natureza e ao todo do qual fazemos parte, nos sentimos mais felizes e conseguimos entender que somos parte desse equilíbrio que é a vida na Terra.”