As drogas psicodélicas reveladas em caneca egípcia de 2.000 anos
Estudo analisou o artefato e descobriu indícios de um elaborado coquetel em homenagem ao deus Bes
Uma pesquisa recente trouxe à tona segredos guardados há milênios pelos Antigos Egípcios. Cientistas analisaram resíduos em um vaso ritualístico da deidade Bes, datado do século II a.C., durante o Período Ptolomaico. O artefato, que é parte do Acervo do Museu de Arte de Tampa, revelou uma mistura única de substâncias psicotrópicas, fluidos humanos e ingredientes naturais, trazendo novas perspectivas sobre a religião, a medicina e as práticas culturais do Egito faraônico.
Entre os compostos encontrados, destacam-se os alcaloides harmalina e harmalol, provenientes da arruda-síria (Peganum harmala), além de flavonoides do lírio azul (Nymphaea caerulea). Os alcaloides da P. harmala são conhecidos por induzir estados oníricos e eufóricos, enquanto o lírio azul era utilizado como sedativo e possivelmente afrodisíaco. Juntas, essas plantas criavam uma combinação poderosa para alterar a percepção dos participantes dos rituais. “Essas substâncias reforçam a hipótese de práticas espirituais associadas a sonhos e visões”, afirma o estudo publicado na Scientific Reports.
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A análise também revelou vestígios de mel, vinho fermentado e fluidos humanos, como leite materno, sangue e secreções mucosas. O uso de fluidos humanos pode simbolizar vitalidade, pureza e conexão com o divino, elementos que reforçam o caráter sagrado do ritual.
Bes e o panteão egípcio
Durante o Período Ptolomaico (332-30 a.C.), o Egito estava sob domínio da dinastia grega dos Ptolomeus. Essa era foi marcada por intensa interação cultural entre gregos e egípcios, refletida em práticas religiosas híbridas. Bes, o deus homenageado no vaso, era um protetor das famílias, associado à fertilidade, cura e alegria doméstica. Ele também aparece como pacificador da deusa Hathor, em mitos onde usava bebidas para acalmá-la.
A pesquisa sugere que o conteúdo do vaso tinha o objetivo de promover bem-estar, fertilidade ou experiências místicas. “Este achado ilumina a relação dos egípcios com a espiritualidade e com os recursos naturais, revelando uma ligação profunda entre religião e ciência antiga”, destaca o artigo.
Bes frequentemente colaborava com outros deuses egípcios. Ele é ligado a Hathor, deusa do amor e da embriaguez, cujo mito do “Olho Solar” exemplifica sua capacidade de transformar caos em harmonia por meio de substâncias. Além disso, Bes era representado emergindo de lírios azuis, reforçando o simbolismo da planta como conexão com o divino e ferramenta de introspecção.
As implicações da descoberta
Os cientistas utilizaram métodos modernos, como espectroscopia infravermelha por radiação síncrotron, cromatografia líquida e análise genética para decifrar os resíduos. As técnicas permitiram identificar os compostos químicos e suas origens botânicas, oferecendo uma visão detalhada sobre o uso dessas substâncias.
O estudo lança luz sobre o modo como os egípcios integravam ciência e espiritualidade, usando ingredientes naturais para alcançar objetivos físicos e metafísicos. A presença de mel e geleia real, por exemplo, sugere usos medicinais, enquanto o vinho fermentado poderia atuar como veículo para os compostos bioativos.
Ao explorar rituais tão complexos, a pesquisa amplia a compreensão de práticas culturais no Egito Antigo e destaca a sofisticação de sua farmacologia e cosmologia. O achado, de acordo com os autores, “abre caminho para investigações futuras sobre rituais similares e seu impacto no desenvolvimento da religião e da medicina”.