O filme A Forma da Água, do diretor mexicano Guillermo del Toro, foi o longa que ganhou mais estatuetas do Oscar durante a premiação deste ano, incluindo melhor filme e diretor. A história narra o romance entre uma zeladora muda e uma misteriosa criatura aquática – um drama que só poderia existir no mundo da ficção, certo? Não exatamente. Na década de 1960, a ilha de São Tomás, no Caribe, foi palco de uma história real que é tão (ou talvez até mais) impressionante quanto o longa aclamado pela crítica: a relação entre Margaret Lovatt e o golfinho Peter.
Tudo começou em um laboratório, onde um grupo de pesquisadores americanos havia dado início a um estudo para ensinar golfinhos a falar inglês. A pesquisa logo chamou a atenção da Nasa, a agência espacial americana, que passou a financiar o projeto, segundo uma reportagem publicada em 2014 no jornal britânico The Guardian.
Margaret, então com 20 anos, era uma jovem apaixonada por animais marinhos que decidiu se voluntariar como treinadora no experimento. Ela passou a dar aulas de vocalização para três golfinhos – as fêmeas Pamela e Sissy e o macho Peter –, na esperança de que eles conseguissem reproduzir os sons humanos.
Após alguns meses, Margaret propôs ao líder do projeto, John Lilly, que ela passasse a morar com Peter, para poder acompanhá-lo e ensiná-lo 24 horas. Com a autorização de Lilly, o andar superior do laboratório foi completamente impermeabilizado e inundado, possibilitando que Margaret vivesse ali enquanto o animal circulava livremente pelo espaço.
O veterinário Andy Williamson, responsável pelos cuidados de Peter, disse que o golfinho apresentava fortes “tensões sexuais” por ficar separado das fêmeas. Ele pediu, então, que Margaret “aliviasse manualmente” a excitação do animal. “Não era sexual da minha parte. Sensorial, talvez”, afirmou a ex-treinadora ao jornal britânico.
Porém, apesar dos esforços da jovem e dos demais pesquisadores, nem Peter nem os demais golfinhos estavam obtendo resultados satisfatórios no projeto. Os cientistas chegaram a dar drogas, como LSD, para os animais, na esperança de que o estado alterado de consciência os ajudasse a vocalizar as palavras, mas nada adiantou.
Peter teve de ser separado de sua treinadora e acabou morrendo pouco tempo depois. Os veterinários constataram que ele havia parado de respirar voluntariamente, como se tivesse se suicidado na ausência de Margaret.
Sexo e suicídio
Até hoje, cientistas não conseguem explicar exatamente o que desperta o interesse sexual nos golfinhos. O biólogo marinho André Silva Barreto, professor de oceanografia e biologia na Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, afirma que, ao contrário dos mamíferos de terra firme, golfinhos não são capazes de identificar hormônios pelo cheiro. “As fêmeas apresentam algo que os biólogos chamam de ‘cio silencioso'”, afirma o especialista. Isso significa que, quando elas entram no período fértil, nenhuma mudança externa ocorre – o que faz os pesquisadores imaginarem que a época adequada para acasalar seja indicada por alguma mudança comportamental.
Outro fato interessante é que os machos também controlam voluntariamente as ereções. Por isso, quando estão sob situações de estresse, especialmente em cativeiro, ou de escassez de fêmeas, esses animais podem apresentar comportamentos imprevisíveis, como tentar acasalar com outras espécies. Não é raro, por exemplo, encontrar vídeos de golfinhos tentando contato sexual com pessoas.
No caso de Peter, a tensão de estar em cativeiro pode ter sido o motivo de seu interesse sexual em Margaret. “O isolamento dele pode ter causado uma mudança de comportamento”, afirma Barreto.
Sobre a questão do suicídio, especialistas já sabem que o processo de respiração nos golfinhos não é igual ao dos seres humanos e que, de fato, estes animais são capazes de controlar a respiração. “Nós respiramos de maneira automática – no máximo, prendemos a respiração até desmaiar. No caso dos golfinhos, não. É necessário um esforço consciente para respirar”, explica o biólogo.
O problema é quando tentamos atribuir características humanas a esses animais, diz Barreto. “Ele até pode parar de respirar, mas não quer dizer que tenha feito isso com o objetivo de se matar, como humanos fazem. Em episódios de encalhamento em massa, há evidências de que os animais, quando percebem que vão encalhar, ficam sob um estresse tão grande que sua musculatura trava e eles morrem asfixiados.”
E, como golfinhos são animais sociais, é possível que Peter tenha se apegado tanto a Margaret, uma vez que convivia em tempo integral com ela, e ficado sob um estresse tão grande quando se separou dela que não conseguiu mais respirar, opina Barreto.
Fala
Apesar da ambição do projeto patrocinado pela Nasa, Barreto diz que a ideia de tentar fazer um golfinho falar não é tão absurda quanto pode parecer em um primeiro momento. “Estudos já comprovaram que golfinhos são um dos poucos animais, junto com os macacos, que têm raciocínio simbólico, ou seja, conseguem assimilar símbolos a seus significados”, explica o especialista. Isso quer dizer que eles são capazes não só de repetir tarefas em troca de guloseimas, mas também de compreender e interpretar gestos para fazer novas ações.
“Se eu faço um símbolo para pegar, outro para bola, e depois peço para ele pegar e trazer a bola, o golfinho vai. Depois, se eu faço o símbolo de pegar e outro que ele nunca viu na vida, ele pode até não saber o que o último significa, mas vai entender que precisa pegar o objeto que vou jogar e trazer de volta para mim”, diz.
Existem estudos, ainda, que indicam que esses animais são capazes de vocalizar coisas simples, como o nome dos treinadores – embora Barreto ache que não seria possível fazê-los falar como nós, pois eles não possuem o aparato vocalizador necessário. Mesmo na comunicação entre os animais, o especialista esclarece que nenhum tipo de linguagem propriamente dita, no sentido humano da palavra, é observada.
“A comunicação entre os animais ocorre. Eles caçam de maneira coordenada, convivem em grupo – porém, não conversam. Eles interpretam gestos, sinais ou comportamentos e assim se comunicam. Não existe linguagem”, conclui o pesquisador.