Um mês depois de decretar o início da quarentena no segundo estado mais populoso do Brasil, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo-MG), se prepara para flexibilizar, aos poucos, as medidas de isolamento criadas por conta da pandemia do novo coronavírus. Diante do quadro de 1 230 casos confirmados e 44 mortos pela Covid-19, Zema se diz confiante, apesar da consciência de que os números reais devem ser maiores – segundo a Secretaria Estadual de Saúde de Minas, apenas 3% dos leitos estão ocupados por pacientes infectados. Na última semana, o governador voltou aos holofotes por se recusar a assinar uma carta aberta de chefes do Executivo dos estados contra a participação do presidente Jair Bolsonaro em atos que pediam intervenção militar. Não é a primeira vez que o mineiro evita entrar em rota de colisão com o presidente: depois da chuva de críticas, o governador reiterou que é “contra a ditadura”, mas que prefere não tomar partido porque já tem muitos “incêndios a apagar”. A seguir, os principais trechos de sua entrevista à VEJA.
Se o senhor é um democrata, por que a resistência a criticar a participação do presidente Jair Bolsonaro em um ato contra o Congresso? Não cabe a mim opinar sobre o relacionamento entre presidente da República, o presidente da Câmara e o do Senado. Eles são políticos experientes e tenho certeza de que chegarão a um consenso. Um gestor não se preocupa com o trabalho do vizinho.
O senhor governa um estado que votou maciçamente no presidente. O fato de ele desrespeitar as recomendações de saúde – dando abraços e incentivando aglomerações – não é um mau exemplo para uma população? Olha, se o presidente faz dessa maneira, ele deve ter os motivos dele. Eu não concordo, mas respeito. Eu decretei a quarentena assim que tivemos notícia do primeiro caso em Minas, tenho usado máscara em todos os compromissos, faço minha parte. Novamente, já tenho incêndios demais para apagar aqui para ficar reparando em detalhe do que diz o presidente.
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Clique e AssineMesmo quando contraria normas da Organização Mundial da Saúde (OMS)? Ele pode ter se posicionado contra alguns especialistas, mas eu já vi divergências entre estudiosos do assunto. Não existe um discurso científico só. Talvez daqui a uns três, quatro anos a gente saiba quem estava certo.
Os seus “vizinhos” João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ) entraram em rota de colisão com Bolsonaro por adotarem medidas de contenção. Por que o senhor não teve os mesmos problemas? É bem simples: se você é minha vizinha e gosta de samba, eu não tenho que ficar te xingando porque gosto de ópera. No Brasil o povo gosta de palanque, tem que ficar comentando. Eu faço o que acho melhor para o meu estado e evito briga. Quem gosta de holofote fica criticando.
A Secretaria de Estadual de Saúde de Minas registrou 44 mortes e 1 230 casos do novo coronavírus. A curva de contágio e óbitos está dentro do previsto? Sim. Na verdade, se comparado à população, esse número é extremamente baixo. Minas está entre os cinco estados com menor incidência do coronavírus, muito melhor do que o Rio e São Paulo. Ainda não estou satisfeito mas posso afirmar que, caso o pior se concretize, nós estamos preparados. Apenas 3% dos leitos estão sendo utilizados por pessoas infectadas e 50% está disponível. Além de construir hospitais de campanha, reativamos leitos em unidades já existentes, uma fórmula muito mais barata e eficiente.
O senhor já afirmou que não dá para testar todo mundo. Trabalha com a hipótese de subnotificação – inclusive no número de mortos? Tenho ciência de que os dados não fornecem os números reais, mas ajudam a observar a tendência. É como fazer uma dieta com uma balança com 5 quilos a menos: não é o resultado exato, mas é possível perceber se há perda peso. Como a subnotificação acontece em todos os estados, o cenário comparativo provavelmente está correto. No momento, estamos trabalhando com o que temos.
Há planos para flexibilizar a quarentena em Minas? Sim. A partir de hoje, vamos divulgar uma série de diretrizes para a cidade que quiser retomar algumas atividades, e a palavra final caberá ao prefeito. Já há uma lei estadual tornando obrigatório o uso de máscaras. Além disso, pediremos que se considere uma distância mínima entre clientes e funcionários nos estabelecimentos, que sejam tomadas medidas de higienização em locais de uso comum e que sistemas de conferência de temperatura corporal sejam instalados em grandes empresas. Vamos dar detalhes até para abertura de salões de beleza: tem que ser tudo agendado, não pode ter fila de espera.
O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD-MG), disse que não há previsão para afrouxar o isolamento na cidade. Em quais municípios isso deve acontecer? Belo Horizonte tem uma incidência de casos e óbitos diferente, tem que ter outro tratamento mesmo. Mas cada uma das 853 cidades de Minas tem suas peculiaridades e mais da metade já retomou algumas atividades. São municípios muito pequenos, entre 5 000 e 10 000 habitantes, nos quais as pessoas sequer usam transporte público, o que diminui muito o risco de contágio. O problema é que muitas não conhecem o protocolo de boas práticas, daí a necessidade de se estabelecer regras.
Que medidas serão tomadas para reaquecer a economia do estado? O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) tem fornecido crédito para micro e pequenas empresas. Somando todas as ações, penso que até maio teremos liberado mais de 2 bilhões para pequenas e médias empresas de Minas. Aderimos também ao cadastro no Simples e todos os negócios enquadrados terão um prazo ampliado para pagar os impostos. Essa dilatação vai impactar nosso fluxo de caixa, que já estava negativo. Não temos condição de fazer mais do que isso. Dependeremos muito do governo federal.