O balneário de Maricá, a 60 quilômetros do Rio de Janeiro, experimenta há dez anos um boom econômico alimentado pela expansão das explorações do pré-sal, um manancial de royalties que no ano passado rendeu 4 bilhões de reais e colocou o município de menos de 200 000 habitantes, que já viveu da agricultura e da pesca, na posição de maior PIB do estado. Tradicional reduto do PT, que a comanda há dezesseis anos, a prefeitura, com o cofre cheio, resolveu investir pesado na folia: injetou nada menos que 8 milhões de reais na União de Maricá, escola que tem como presidente de honra o deputado federal petista Washington Quaquá e que estreia neste ano no Grupo de Acesso da Marquês de Sapucaí. O valor é quatro vezes maior do que a subvenção paga pela prefeitura do Rio às escolas do Grupo Especial (2,15 milhões de reais para cada uma) e oito vezes o valor recebido pelas colegas da segunda divisão.
A oposição acusa o governo e seus aliados de usarem os festejos de Momo como plataforma política. “A escola é na verdade do Quaquá e ele está usando dinheiro público para se autopromover”, dispara o vereador Ricardo Netuno (Republicanos). No outro lado do ringue, o deputado, que é vice-presidente do PT e — surpresa! — pré-candidato à prefeitura, argumenta que o retorno supera o investimento. “Ter o nome da cidade no maior espetáculo da Terra traz uma visibilidade imensa. Se a escola subir para o Grupo Especial, como apostamos, vou investir mais ainda”, não esconde Quaquá, que já foi prefeito por dois mandatos.
A empresa do deputado e de sua mulher, Gabriela Lopes, está à frente de um concorrido espaço no Sambódromo, o Camarote Favela, alugado por cerca de 900 000 reais. O local, com três níveis e frisa com bar, vende ingressos a preços entre 1 400 e 3 000 reais, mas os holofotes estarão nos convidados. “A proposta é ser um local de encontro político. Essa sempre foi minha intenção: unir o Carnaval com o poder”, admite Quaquá. São esperados o presidente Lula, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o ministro do Turismo, Celso Sabino, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que tem seu próprio camarote, mas deve bater ponto lá. Paes, que no passado causou uma saia justa nacional ao chamar Maricá de “um lugar de m…” em telefonema com Lula grampeado pela Operação Lava-Jato, também confirmou que sairá no chão, à frente do primeiro carro da escola, ao lado de Quaquá e do prefeito, Fabiano Horta.
A escola de Maricá desfilou pela primeira vez em 2016 e teve ascensão meteórica no mundo do samba. Após a compra do CNPJ de outra agremiação — prática tolerada no meio —, ela estreou na Série Bronze, a quarta divisão do Carnaval carioca, e avançou rapidamente até chegar ao Grupo de Acesso, que desfila na Sapucaí e serve de porta de entrada para o sonhado Grupo Especial (sobem as duas mais bem colocadas). A direção promete uma apresentação luxuosa. “A disparidade de recursos é escandalosa. Pelo que se fala nos bastidores, será um desfile com porte de escola de elite”, ressalta a pesquisadora de Carnaval Rachel Valença. De fato, os milhões de reais repassados pela prefeitura de Maricá, em cota única, equivalem ao gasto médio das agremiações tradicionais. “Não podemos reclamar. A escola virá com muito veludo, paetê e tecidos exclusivos, coisas que não são comuns no Grupo de Acesso”, observa o carnavalesco André Rodrigues, que também assina o desfile da Portela.
Rodrigues não é o único reforço de peso da estreante na Sapucaí, que entra na avenida na madrugada de sábado 10: a escola contratou ainda um diretor de harmonia da Mangueira, um coreógrafo do Salgueiro e um casal de mestre-sala e porta-bandeira premiados no Grupo Especial. “Não sou contra o Carnaval ou a liberação de recursos para isso, desde que tudo esteja funcionando bem na cidade. Mas a rede municipal de saúde é precária, o saneamento básico é deficiente e a violência vem aumentando”, critica o deputado estadual Filippe Poubel (PL). Outra denúncia da oposição é o uso de ônibus do município para levar a população ao ensaio técnico na Sapucaí. “Cedemos, sim, por entender que isso é de interesse social e não afetou em nada o transporte local. Vejo com pena quem não enxerga quanto o investimento no Carnaval sustenta famílias e gera efeitos sociais concretos”, rebate o prefeito. Resta ver se a gastança renderá à União de Maricá os resultados esperados — carnavalescos ou de outra natureza.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878