Criado na gestão Fernando Henrique Cardoso e turbinado nos governos Lula e Dilma, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) abriu a porta das universidades para jovens carentes — e fez alegria ainda maior de muitos grupos educacionais privados. Para essa turma, o negócio virou o famoso “ganha-ganha”. As matrículas se multiplicaram e os rombos provocados pela alta taxa de inadimplência (o índice hoje está perto dos 50%) são cobertos pelo Estado. Como se não bastasse, alguns empresários aproveitaram para lucrar mais, aproveitando-se da falta de fiscalização (o Tribunal de Contas da União referiu-se à gestão como um “descalabro”). No dia 3, a Polícia Federal prendeu um dos maiores beneficiados pela baderna, José Fernando Pinto da Costa, dono do conglomerado Uniesp e da Universidade Brasil. Ele foi para a cadeia junto com seu filho, Sthefano Costa, e outras dezoito pessoas, entre executivos e funcionários.
A PF descobriu que a Universidade Brasil recebera cerca de 500 milhões de reais do Fies de maneira fraudulenta. Segundo as investigações, a entidade fornecia “assessoria” aos alunos para falsificar os dados cadastrados no sistema do programa. O público-alvo eram pessoas que não se encaixavam no perfil de beneficiários: filhos de políticos, de empresários e de fazendeiros, que chegavam a desembolsar até 120 000 reais por uma vaga no curso de medicina da instituição. Um dos ardis utilizados consistia em “superfaturar” o número de moradores no endereço residencial, pois o Fies leva em conta a renda familiar. “Muita gente também não enviava o imposto de renda, declarando receber apenas um salário mínimo”, disse a VEJA o delegado Cristiano Pádua, responsável pelo caso. “Uma vez que não havia controles como o cruzamento de dados, as mentiras passavam batido e os pedidos eram aprovados”, completa.
Engenheiro aposentado pela Companhia Energética de São Paulo, Fernando Costa entrou para o ramo de educação em 1999, quando fundou o grupo educacional Uniesp, que ficou conhecido pelas campanhas agressivas de recrutamento de alunos. Convênios com igrejas, promoções de mensalidades a 50 reais e tablet de brinde faziam parte dessa estratégia. Em vinte anos de atuação, o grupo passou a ter mais de 100 universidades espalhadas pelo país. Com os negócios a todo o vapor, Costa saiu comprando instituições de ensino pequenas e endividadas Brasil afora. “Quanto mais aquisições fazia, a mais vagas do Fies ele tinha acesso”, afirma o delegado Pádua.
Aos poucos, os problemas foram aparecendo. Muitos estudantes procuraram as autoridades para relatar que haviam sido enganados pela promessa de mensalidades baratas. Para ganharem o benefício, eles eram orientados a contrair os empréstimos do Fies. As investigações movidas pelo Ministério Público Federal, as centenas de queixas protocoladas no Procon e até uma condenação da Justiça de São Paulo por propaganda enganosa em 2018 não travaram os planos de expansão do empresário. Para a Polícia Federal, isso tem uma explicação: o bom trânsito de Costa no mundo da política. Só no último mês, ele participou, junto com outros empresários, de encontros com o presidente Jair Bolsonaro, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o governador fluminense Wilson Witzel e o prefeito paulistano Bruno Covas. No ranking do TSE, apareceu como o 54º maior doador das eleições de 2018. Para a campanha do hoje governador João Doria (PSDB), enviou 500 000 reais. Em março, foi considerado a personalidade do ano de Mato Grosso do Sul em evento do Lide, grupo de líderes empresariais fundado por Doria. Ele também bate um bolão fora do mundo da política, patrocinando Flamengo, Corinthians e Atlético Mineiro.
Enquanto os alunos reclamavam da magreza da estrutura dos cursos, o patrimônio de Costa foi engordando. Os investigadores apreenderam em endereços ligados a ele e à instituição dois aviões, um helicóptero, uma lancha, três jet skis e mais de trinta carros, incluindo modelos Jaguar, Mercedes e Land Rover. Um dos que mais aproveitavam da vida de luxo era o filho de Costa, Sthefano. Ele é figura comum no circuito Mônaco, Saint-Tropez, Mikonos e Saint Barth, no verão, e Aspen, Courchevel e Saint Moritz, no inverno. Adorava alugar barcos enormes para singrar pelo Mediterrâneo ao lado de amigos como a ex-modelo Ana Paula Junqueira. Em São Paulo, era conhecido como um dos clientes mais assíduos de baladas “top”. No estilo rei do camarote, promovia brindes entre os parças com champanhe que pisca. Em 2018, quando se casou com a socialite Laura Ulrich, fechou o Hotel Fasano de Angra dos Reis (sessenta suítes) e contratou a banda flamenca Gipsy Kings para animar os convidados. Logo veio a ressaca: o divórcio ocorreu em menos de um ano. Na operação da PF, Sthefano foi detido temporariamente. Acusado de crimes como organização criminosa e estelionato, o pai amarga a prisão preventiva, sem data de saída. Ao que tudo indica, a festa acabou.
Publicado em VEJA de 11 de setembro de 2019, edição nº 2651