Mesmo depois do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter determinado a seus ministros e a todo o seu governo que não fizessem qualquer ato, solenidade, discurso ou produzissem material em memória aos 60 anos do golpe militar, pelo menos sete ministro descumpriram a orientação. Neste domingo, 31, data que marca o aniversário da instauração do regime ditatorial que se estenderia por 21 anos no Brasil, eles usaram suas redes sociais para fazer postagens de repúdio a este período. A intenção de Lula com a sua determinação, exposta a seus auxiliares desde o início do mês de março, era não criar novos entreveros com os militares e inflamar o ambiente político com esta questão.
O pedido do presidente, como deixam claras as postagens na internet, não convenceu todo o seu staff. Dos 38 ministros, sete deixaram registrado em suas nas redes sociais a indignação com os “Anos de Chumbo”. Na plataforma X (antigo Twitter), o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, encarregado de organizar atos em memória do golpe de 60 que acabaram cancelados, fez uma postagem intitulada “Por que ditadura nunca mais?”. Em seu texto, ele enumera a ambição de um país “social e economicamente desenvolvido”, “soberano, que não se curve a interesses opostos aos do povo brasileiro”, “institucional e culturalmente democrático”, “em que a verdade e a justiça prevaleçam sobre a mentira e a violência”, “livre da tortura e do autoritarismo” e “sem milícias e grupos de extermínio”. Ao final da publicação, citou a frase do deputado Ulysses Guimarães (1916-1992), que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte que resultou na Constituição de 1988: “É preciso ter ódio e nojo da ditadura”.
O posicionamento emblemático de Ulysses Guimarães também foi destacado na postagem de Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social. Junto com a imagem de uma camiseta branca com a frase “ódio e nojo à ditadura”, ele escreveu: “Ditadura Nunca Mais!! A esperança e a coragem derrotaram o ódio, a intolerância e o autoritarismo. Defender a democracia é um desafio que se renova todos os dias”. Já o ministro da Educação, Camilo Santana, ressaltou a importância de que o golpe e os anos que se seguiram não caiam no esquecimento. O ministro escreveu: “Lembramos e repudiamos a ditadura militar, para que ela nunca mais se repita. A mancha deixada por toda dor causada jamais se apagará. Viva a democracia, que tem para nós um valor inestimável”.
Também neste domingo, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, foi às redes sociais lembrar o aniversário golpe que instaurou o regime militar e a censura no país, no qual citou nominalmente vítimas do período. “Minha homenagem a todos que perderam a vida e a liberdade, em razão da ruptura da democracia no dia 31 de março de 1964, que levou o país a um período de trevas. Minha homenagem a Rubens Paiva (engenheiro), Vladimir Herzog (jornalista) e Manoel Fiel Filho (metalúrgico), que lutaram pela democracia no Brasil”. Todos foram torturados e morreram em decorrência da ditadura.
Apesar do presidente Lula ter estado envolvido diretamente nas negociações para impedir as manifestações de alusão ao golpe que completa sessenta anos, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, foi outra a usar a plataforma X para deixar seu apoio às vítimas deste regime. “Neste 31 de março de 2024 faço minha homenagem a todas as pessoas presas, torturadas ou que tiveram seus filhos desaparecidos e mortos na ditadura militar. Que o golpe instalado há exatos 60 anos nunca mais volte a acontecer e não seja jamais esquecido”, publicou.
A ex-presidente Dilma Rousseff, reconhecidamente uma das vítimas diretas do regime de exceção instaurado no país a partir de 1964 e que vigorou por duas décadas, também foi lembrada em uma das publicações nas redes sociais. O ministro na Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, fez uma postagem com a famosa fotografia de Dilma, então presa política com 22 anos, durante um interrogatório numa auditoria militar na década de 70. Na sequência do título “Democracia sempre!!!”, Messias destacou: “minha homenagem nesta data é na pessoa de uma mulher que consagrou sua vida à defesa da Democracia, @dilmabr. Que a Luz da Democracia prevaleça, sempre. Essa é a causa que nos move”.
Os ataques aos indígenas após o golpe de 1964 e durante o período em que ele durou também foi mencionado neste dia de hoje. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em sua postagem na internet, pediu reflexões sobre um processo de reparação do Estado em relação ao que aconteceu contra este grupo durante a ditadura. E escreveu: “Sabemos que a luta sempre foi uma constante para os povos indígenas, mas há 60 anos o golpe dava início a um dos períodos mais duros do nosso país. A ditadura promoveu um genocídio dos nossos povos e também de nossa cultura. Milhares de indígenas foram assassinados e muitos mitos construídos entre militares para justificar um extermínio – muitos discursos perversos que até hoje são utilizados para tentar refutar nosso direito constitucional ao território”.
A data ainda foi lembrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da casa, ministro Luís Roberto Barroso, sem citar explicitamente a ditadura, fez uma analogia usando a Páscoa, comemorada neste domingo, à democracia. “31 de março de 2024: um dia para celebrar a Páscoa, a ressurreição, os bons sentimentos de renovação e esperança, e também para lembrar do que nunca podemos esquecer: de como a democracia é valiosa e a nossa liberdade, nossos direitos e garantias fundamentais são a essência de uma vida verdadeiramente digna nesse país. Feliz Páscoa, democracia sempre!”.