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Pandemônio ambiental: a guerra judicial na Costa Verde fluminense

O caso envolve embates regulatórios, ameaças de interdições e multas astronômicas

Por Luana Zanobia, Maiá Menezes 3 dez 2022, 08h00

Em um país que detém a reputação de vilão ambiental, o empenho das autoridades na criação e fiscalização de medidas que zelem pela preservação da natureza é, por princípio, uma iniciativa alvissareira. O problema é que nem sempre a fúria regulatória cumpre seu papel. Por vezes, acaba se transformando em uma barafunda legal, como acontece no momento na região conhecida como Costa Verde, no litoral sul do estado do Rio. Com vasta cobertura florestal, enseadas paradisíacas e águas verde-esmeralda, dois municípios da região redesenharam suas leis ambientais nos últimos três anos e as transformaram em um estorvo para negócios instalados há décadas na região. Em pelo menos três casos, interdições e aplicação de multas com valores de até sete dígitos pelas prefeituras de Mangaratiba e Itaguaí se transformaram em conturbados cabos de guerra judiciais entre o poder público e grandes empresas.

No caso de Mangaratiba, um dos pontos problemáticos encontra-se na Lei Municipal nº 1209, de 2019. A medida determina que os responsáveis pelos empreendimentos assinem um Termo de Medida Compensatória Mensal, ou seja, se comprometam a fazer pagamentos mensais para a prefeitura pelo uso dos recursos naturais do município para fins econômicos. O problema é que, sob o ponto de vista jurídico, a competência dos municípios na área é discutível, uma vez que a fiscalização ambiental da região é responsabilidade do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea).

Na prática, esse conflito regulatório cria situações como a que envolveu a Vale, dona de um complexo portuário em Mangaratiba, onde é embarcado o equivalente a 25 milhões de dólares em minério de ferro por dia. Em abril de 2021, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente interditou o terminal da empresa na Ilha Guaíba (TIG) alegando que as licenças ambientais estavam vencidas e a mineradora em situação irregular, arbitrando uma multa no valor de 500 000 reais. Na ocasião, o Inea entrou na disputa, determinou a revogação da punição e a Vale entrou na Justiça contra a interdição — e ganhou o processo no Tribunal de Justiça do Rio. Em janeiro, a prefeitura voltou à carga e, dessa vez, interditou uma obra no complexo e aplicou uma multa no valor de 5 milhões de reais sob alegação de que resíduos de minério haviam vazado e contaminado a água ao redor da ilha. O Inea novamente interveio e anulou a multa sob a alegação de que os exames de laboratório apresentados pela Secretaria de Meio Ambiente tinham “falhas e inconsistências” e não atendiam às normas técnicas em vigor.

INTERVENÇÃO - Porto da Vale: órgão estadual cancelou infrações -
INTERVENÇÃO - Porto da Vale: órgão estadual cancelou infrações – (./Divulgação)

Em outra contenda jurídica, a multinacional de hotelaria francesa Club Med, dona de um resort no município há mais de três décadas, questionou no início deste ano a cobrança de 400 000 reais a título de mitigação do impacto ambiental provocado por suas estações de tratamento de efluentes e de água. Na ação de tutela de urgência apresentada à Justiça, os advogados do hotel argumentaram que a ação do município consistia em um “preocupante quadro de abuso de poder, desvio de finalidade e legalidade”. Argumentavam ainda que “o município criou um tributo disfarçado de medida compensatória e mitigatória”. E concluíam que a exigência era “totalmente desproporcional e desconexa de qualquer avaliação de impacto ambiental”. Em sua sentença, o juiz da comarca de Mangaratiba, Richard Robert Fairclough, suspendeu a cobrança, em decisão corroborada em abril pela 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio.

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A prefeitura de Mangaratiba, em sua defesa, sustenta que, por deter uma vasta parte de seu território coberto por Mata Atlântica e por preservar forte patrimônio ambiental, tem o poder de fiscalizar e propor medidas compensatórias a processos de legalização de construção e empreendimentos comerciais, industriais e de logística, independentemente da competência de licenciamento ser do estado ou da União. “O município era dotado de um Código Ambiental defasado, especialmente no que diz respeito à prerrogativa para licenciar as atividades que causam impacto local”, afirma o secretário de Meio Ambiente de Mangaratiba, Antonio Barreto. “Agora, nós mudamos isso.”

Postura idêntica foi adotada na vizinha Itaguaí, onde a secretária de Meio Ambiente, por sinal, é Shayenne Barreto, filha de Antonio. Em abril do ano passado, em uma ação polêmica, a prefeitura interditou o terminal de embarque de minério da CSN e multou a empresa em 4 milhões de reais. Da mesma forma que aconteceu em Mangaratiba, as punições foram anuladas após a intervenção do órgão estadual de ambiente. Mesmo com a atuação do Inea, a insegurança jurídica na região tem preocupado as empresas que têm ali seus negócios, intimidadas pelo pandemônio ambiental que viceja em meio ao cenário paradisíaco da Costa Verde fluminense.

Publicado em VEJA de 7 de dezembro de 2022, edição nº 2818

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