Embora tenha nascido em Porto Velho (RO), Rodrigo Pacheco se considera um mineiro. Foi nesse estado que ele estudou, atuou como advogado e foi eleito a cargos públicos. Chegou a Brasília em 2015 como deputado e, logo no primeiro mandato, virou chefe da poderosa Comissão de Constituição e Justiça. Em 2021, já no Senado, foi alçado ao comando da Casa. Em fevereiro deste ano, acabou reeleito a novo mandato até 2025. No último pleito presidencial, o cacique-mor de seu partido, Gilberto Kassab, do PSD, ensaiou o lançamento do nome dele à disputa, mais como uma espécie de balão de ensaio. Tudo indica agora que Pacheco vai levar a sério a pretensão de testar a popularidade nas urnas a um cargo executivo — só que num plano regional. Seu olhar volta-se novamente para Minas Gerais. Nos bastidores, ele articula o lançamento de uma candidatura ao governo estadual em 2026.
Uma conjunção de fatores vem dando a Pacheco oportunidade (e motivação) para a empreitada. O primeiro foi a encalacrada em que se encontra o governador Romeu Zema (Novo), que corre contra o tempo para fechar uma negociação em torno da gigantesca dívida com a União, de 160 bilhões de reais — o orçamento anual do estado é de 109 bilhões de reais. Com ambições nacionais, Zema tem relação distante com o governo federal, porque apoiou Jair Bolsonaro na última eleição e alimenta a pretensão de ser o nome da centro-direita para enfrentar Lula em 2026. Com o peso de presidente do Congresso, Pacheco tomou a frente da negociação. De uma só vez, ofuscou Zema, ganhou mais proximidade a Lula e avançou algumas casas na pavimentação do caminho longo que pode levá-lo à disputa do governo mineiro.
A dívida do estado remonta à década de 1990 e só cresce desde então. Foi determinante para o insucesso do governador Fernando Pimentel (PT) em sua tentativa de reeleição em 2018, quando, fustigado por atrasos nos salários dos servidores, nem sequer chegou ao segundo turno. No final daquele ano, uma liminar do Supremo Tribunal Federal permitiu a suspensão do pagamento da dívida por cinco anos, dando uma folga a Zema até o primeiro ano do segundo mandato. A liminar, porém, vence em 20 de dezembro e, se não houver acordo aprovado em lei, o estado terá que pagar parcelas mensais de 1,2 bilhão de reais.
A opção escolhida por Zema para resolver a encrenca, por ora, só lhe trouxe dor de cabeça. Embora seja bastante razoável e aponte na direção correta, a proposta tramita na Assembleia, mas esbarra na resistência dos deputados, que a consideram impopular, e dos servidores, que têm feito protestos. Acertadamente, Zema sugere privatizar estatais de saneamento, energia e desenvolvimento econômico (Cemig, Copasa e Codemig) e limitar os reajustes salariais de servidores — a apenas dois de 3% em nove anos, caso não haja incremento de receita. Como na política brasileira o caminho certo nunca é o mais fácil, sua ideia não tem prosperado.
Astuto, Pacheco viu nas dificuldades de Zema uma oportunidade de ouro — e conta com ajuda de Lula para viabilizar sua proposta alternativa. Ela prevê a federalização das mesmas estatais — mais cargos para abrigar aliados do governo petista — e o uso de créditos do estado para abater o saldo devedor, além de uma renegociação que permita a redução do débito. Segundo os críticos, a fórmula é conveniente para o estado e muito ruim para a União, que irá abrir mão de receita bilionária e aumentar os gastos (exatamente no momento em que deveria cortar custos e não aumentá-los). Além disso, o receio é de que, se aprovada, outros estados em dificuldade, como Rio Grande do Sul, Goiás e Rio de Janeiro, vão tentar algo parecido, gerando efeito cascata.
As desvantagens não impediram Pacheco de dar um passo na concretização do plano. Na terça 21, entregou a proposta em reunião em que estavam os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) — também do PSD mineiro —, além do presidente da Assembleia, Tadeu Leite (MDB). “Lula bem como o ministro Fernando Haddad foram receptivos ao nosso pleito, que visa a tirar dos ombros dos servidores públicos de Minas o ônus de uma dívida impagável”, disse Pacheco. No mesmo ato, Lula afirmou que Haddad tem tentado discutir dívidas dos estados com os governadores. “O de Minas Gerais não compareceu em nenhuma reunião. Ele mandou o vice”, criticou. Na quarta, 22, após se encontrar com Haddad, Zema disse que estava aberto à proposta de Pacheco. Afirmou, no entanto, que a prioridade seria adiar o prazo fixado pelo STF ao menos até março de 2024, que é quando o Ministério da Fazenda poderia, segundo ele, formatar uma proposta de acordo. “Estou satisfeito, esperançoso”, disse.
Apesar dos sinais claros de sua ambição, Pacheco, como bom mineiro, tenta caminhar de forma discreta, com um pé em cada canoa. A proximidade com Lula pode, de fato, virar um grande trunfo eleitoral, caso consiga mesmo resolver o problema da dívida mineira. O jogo é bom também para o presidente, pois fortalece um aliado no estado em que o PT nem sequer teve candidato em 2022 e que é o maior pêndulo das eleições presidenciais (o nosso swing state). Ao mesmo tempo em que namora a esquerda, Pacheco pisca para a direita. Recentemente, ele passou a dar tração a pautas que batem de frente com o STF, como a PEC que limita as decisões monocráticas do Supremo. Apesar de o governo petista ter embarcado na proposta, o gesto de mostrar força contra os “abusos” da Corte é visto como aceno claro ao eleitorado conservador, que deu duas vitórias a Zema. Se o plano der certo para viabilizá-lo como candidato em 2026, faltará a Pacheco mostrar que é tão bom de voto quanto de articulação.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2023, edição nº 2869