Obama no Rio: ‘american way’ atormenta jeitinho carioca
Com mudança de última hora, presidente convidou e 'desconvidou' o povo para a Cinelândia. O lado bom: poupou o público de um programa de índio
Durante a semana, a dúvida sobre a conveniência de se preparar uma celebração católica para Obama – que é protestante – gerou impasse entre a Arquidiocese do Rio e os organizadores
A agenda de trabalho de Barack Obama concentrou-se em Brasília. Mas é muito provável que as imagens e frases deste domingo, no Rio de Janeiro, sejam os registros definitivos da visita do primeiro presidente negro dos Estados Unidos ao Brasil. Absorver sem atritos o ‘american way’ no planejamento das aparições públicas e de todo o obsessivo esquema de segurança exigiu, do ‘jeitinho carioca’, uma dose a mais de jogo de cintura e paciência. Mas, dada a habilidade e o brilhantismo dos pronunciamentos de Obama, famosos desde a corrida presidencial americana, vale a pena esperar pelas palavras do homem que imortalizou o “Yes, we can”.
Para o bem de todos, a visita será curta. E não há mesmo como imaginar mais que 36 ou 48 horas de coexistência entre um chefe de estado visitante que impõe restrições ao governador e ao prefeito da cidade onde pisa – caso das limitações a Sérgio Cabral, Eduardo Paes e autoridades locais nas visitas ao Cristo Redentor e à Cidade de Deus.
A previsão é de que Obama comece o dia pelo Cristo Redentor. Um ensaio durante a semana revelou que a comitiva planeja subir de carro pela Estrada das Paineiras e pela Estrada do Corcovado até a base do santuário, onde o presidente, Michelle Obama e as duas filhas terão acesso ao elevador que conduz aos pés do Cristo. A visita é fechada até à imprensa, e um pool de veículos escolhidos pelos organizadores da viagem presidencial tratará de fornecer fotos, vídeos e informações sobre a visita.
Durante a semana, a dúvida sobre a conveniência de se preparar uma celebração católica para Obama – que é protestante – gerou impasse entre a Arquidiocese do Rio e os organizadores.
Do Cristo, Obama deve seguir para a Cidade de Deus, na zona oeste. Este, talvez, o maior desafio das dezenas de agentes encarregados da segurança do presidente. Não pelos riscos do local, mas pela complexidade de se organizar uma visita em uma área que nem as autoridades locais conseguem manter 100% sob controle. A favela é uma das beneficiadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora da Polícia Militar no estado, que reduziu a violência na região – mas não chega a ser, pelo menos por enquanto, uma ilha de tranqüilidade. A família Obama tem planos de ir completa à favela.
A partir da volta da zona oeste, Obama seguirá sozinho. Michelle e as meninas têm, entre as opções, o Jardim Botânico – já praticamente descartado da programação – e a Cidade do Samba, na zona portuária. A Unidos da Tijuca, escola que ficou em segundo lugar no carnaval deste ano mas sustenta-se no imaginário do público como ‘campeã moral’, dada a repercussão de seu espetáculo de ilusionismo na comissão de frente, fará uma apresentação especial para Michelle, sem alguns efeitos especiais, cortados por serem considerados perigosos para uma primeira-dama dos Estados Unidos.
Cinelândia ‘não rolou’ – A histórica Cinelândia, palco de protestos, discursos, espetáculos e dramas do Rio de Janeiro e do Brasil, é ao mesmo tempo ápice e anticlímax da passagem de Obama pelo país. Era esse o local de um “pronunciamento para uma grande platéia”, pretendido pelo presidente desde o início da montagem de sua agenda. Cartazes convidaram a população, dando orientações sobre o que seria permitido no cercado armado para os aprovados na minuciosa revista por agentes americanos.
Mas, como os jeitos americano e carioca não se entenderam sobre os detalhes da organização e da segurança, o discurso a céu aberto foi cancelado. Ou, em bom carioquês, “não rolou”.
É inegável a frustração de alguns milhares de fãs de Obama – e outros tantos antiamericanos – com a mudança do discurso em praça pública para um evento fechado a convidados, no Theatro Municipal. Mas, num fim de semana de céu claro, a população do Rio deve a Obama, também, um tributo: foi poupada de um clássico ‘programa de índio’, com imposição de comércio e bares fechados, restrições para chegada e saída e todas as formalidades norte-americanas que tendem a transformar os anfitriões em intrusos em seu próprio solo.