Principal base política do clã Bolsonaro, o Rio de Janeiro, por um momento, parecia lhe estar escapando das mãos por força dos desentendimentos com o governador Wilson Witzel, ex-parceiro de ocasião que virou adversário na teia de interesses da eleição de 2022. Agora, diante do cai não cai criado por um pedido de impeachment de Witzel, tudo indica que a família presidencial está refazendo os fios rotos de sua influência no Estado ao fortalecer os laços com Cláudio Castro, o discretíssimo vice-governador fluminense. Embora publicamente continue a manifestar fidelidade ao chefe, Castro, cantor religioso de 41 anos, ex-vereador sem expressão política, vem costurando nos bastidores o futuro de sua gestão com o senador Flávio Bolsonaro. VEJA apurou que os dois conversam com frequência e que a aliança pode ser selada com a aceitação, por parte de Castro, do nome que o ministro da Economia, Paulo Guedes, quiser indicar para comandar a Secretaria Estadual de Fazenda.
Político do tipo conciliador, embora carente de autoridade, Castro tem chance de, com esse gesto, obter uma negociação mais flexível com o governo federal, que está ameaçando remover o Rio de Janeiro do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), um pré-requisito para tirar do buraco a combalida economia estadual. O vice e o senador se conhecem desde 2004, quando Flávio Bolsonaro ainda era deputado estadual e Castro frequentava a Assembleia Legislativa (Alerj) na condição de chefe de gabinete do deputado Márcio Pacheco. A convivência se estreitou na campanha de 2018, na qual Flávio Bolsonaro deu voz ao apoio da família à chapa Witzel-Castro. Àquela altura, Castro era vereador fazia dois anos e dividia o plenário da Câmara Municipal com outro Bolsonaro — o também vereador Carlos. Todos os três foram filiados em algum momento ao PSC (os Bolsonaros saíram), legenda do vice desde 2002, que também acolheu Witzel quando decidiu se candidatar ao governo estadual. Confiante na força das relações com os dois primeiros-filhos, Castro confidenciou a assessores próximos que pretende procurar o presidente assim que assumir o governo. Se assumir, claro.
Vereador de atuação pouco visível, que calhou de ser o homem certo no lugar certo na hora da escolha do companheiro de chapa de Witzel, Castro é mais conhecido no universo católico, onde faz certo sucesso como músico — já gravou dois álbuns — e foi coordenador do Ministério de Fé e Política da Arquidiocese do Rio. Nascido em Santos e formado em direito, casado e pai de dois filhos, o vice-governador tem evitado mencionar o chefe nas redes sociais desde que trocou seu papel de facilitador (nem sempre bem-sucedido) de contatos com o arredio Witzel pela bajulação vinda de fornecedores do governo e deputados — a estes, aliás, já acenou com secretarias.
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Clique e AssineA guerra entre Witzel e Bolsonaro começou no ano passado, quando o governador anunciou (de forma precipitada, aliás) que disputaria a Presidência em 2022. De lá para cá, os dois trocaram seguidas acusações e não mais se falaram. No ápice da briga, em maio, Witzel foi alvo da Operação Placebo, que investiga fraudes no combate ao novo coronavírus. Ao mesmo tempo, mostrou-se pouco habilidoso na costura de alianças com os deputados estaduais, situação que piorou com a suspeita de que o ex-secretário Lucas Tristão, seu braço direito (deste então exonerado), produziu dossiês e escutas ilegais para extrair favores dos parlamentares. Resultado: a Alerj pôs em votação catorze pedidos de impeachment do governador e 69 dos setenta deputados aprovaram o início do processo. “Acho que o Cláudio Castro deveria pensar em ser governador logo”, disse a VEJA o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), à frente das movimentações para unir parlamentares de todos os matizes contra o ainda governador. Lembrando que o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, também vive às turras com Witzel, também anda próximo dos Bolsonaros e também é cantor, só que evangélico, cabe a pergunta: será que o Rio de Janeiro vai virar palco de um dueto ecumênico?
Publicado em VEJA de 1 de julho de 2020, edição nº 2693