Solteiros à procura de um par — seja com intenções sérias, seja para uma ficada rápida — seguiam uma cartilha básica: ir a um bar ou a uma festa, engatar uma conversa ao pé do ouvido, compartilhar uma cerveja e, em algum ponto da noite, trocar beijos. Pois tudo, rigorosamente tudo o que configurava a arte da paquera foi por água abaixo na pandemia. Se antes já estava difícil encontrar um match decente, com o advento da Covid-19 muitas pessoas sem par fixo abandonaram a nau dos esperançosos, deletando a chance de encontros ao vivo e se desencantando com a falta de espontaneidade dos flertes via Zoom. Agora que a vacina começa a abrir a janela para a vida mais ou menos normal, esses refratários, em vez de soltar foguetes, se debatem em dúvidas. Ele usa máscara? Ela evitou ao máximo sair de casa? Encontro de dia, no parque, tem algum futuro? Existe bate-papo sem os assuntos contágio, mortes, home office e delivery? “Depois de meses de quarentena, é normal a pessoa se sentir um peixe fora d’água na paisagem da paquera e achar que não tem lugar nele”, diz Logan Ury, diretora do aplicativo de relacionamentos britânico Hinge.
De tão frequente, o pé-atrás na seara dos encontros ganhou nome em inglês, inventado pelo próprio Hinge: Fear Of Dating Again (medo de voltar a paquerar), resumido no acrônimo — totalmente inofensivo no idioma original — F.O.D.A. A criadora de conteúdo Helena Morani, 25 anos, identifica-se com o transtorno pandêmico. “Encontros são tão difíceis, com todos os protocolos e cuidados, que a gente fica com receio de se relacionar. Estou aproveitando o momento para aprender a ficar sozinha e curtir a minha própria companhia”, conta ela, que em seu perfil no Instagram publicou uma divertida videoparódia de uma fala antiga da jornalista Marília Gabriela — “Eu virei um animal solitário. Eu leio, vejo série, fico em silêncio. Meu celular não toca mais” —, com mais de 50 000 visualizações.
No fim do ano passado, em uma pesquisa realizada por outro aplicativo de namoro, o Bumble, duas a cada três pessoas disseram estar se sentindo muito solitárias em todos os aspectos da vida, sobretudo o amoroso, e 90% declararam que sua vida mudou radicalmente com a pandemia. Cerca de 60% afirmaram estar mais preocupados em se preservar do que em buscar encontros casuais e mais da metade revelou que, em um eventual encontro pessoal, gostaria que ambos estivessem de máscara. No aplicativo OkCupid, 40% dos candidatos a namoro na faixa de idade dos millennials frisaram que cancelariam o encontro se a pessoa dissesse que não pretendia se vacinar. No Tinder, a presença da frase “Uso máscara” nas biografias dos usuários duplicou ao longo da pandemia. “Antes, ficaria horrorizada se um cara passasse álcool em gel nas mãos durante um encontro. Agora, fico excitada”, brincou uma adepta do aplicativo.
Nos perfis publicados em sites de relacionamento, o tipo alto, forte e bonitão deu lugar ao rapaz de máscara e praticante do isolamento social na escala de atração. Nos Estados Unidos, Reino Unido e onde quer que a imunização esteja avançada, o carimbo de “vacinado” sempre acompanha as fotos dos usuários. Mesmo assim, muitos solitários não se sentem seguros para voltar à pegação a que estavam habituados — o que, segundo especialistas, não deve ser motivo de maiores preocupações. “O medo é um fenômeno absolutamente normal e compatível com o momento atual. Foi ele que fez a gente chegar até 2021. O comportamento cauteloso só se torna um problema quando paralisa, vira uma fobia social”, avalia Pablo Vinicius, neurocientista da Universidade de Brasília.
Embora a tendência seja de os solteiros retomarem o ritual da conquista, há quem veja na retração de agora uma mudança definitiva. “Ficamos mais arredios. Acho que, futuramente, vamos ser mais seletivos nos relacionamentos e parar de marcar encontro com pessoas em quem a gente sabe que não está interessada de verdade”, reflete a estudante Kethlyn Verona, 20 anos, há meses distante de bares e festas. O psicanalista Christian Dunker, professor da Universidade de São Paulo, confirma: “A crise do novo coronavírus vai ter um impacto permanente na moral sexual. Os que se cuidam vão seguir roteiros de precaução no campo amoroso, dando preferência a pessoas que já conhecem e monitorando suas atitudes nas redes”, prevê Dunker. Para quem acha que F.O.D.A. é isso mesmo que o acrônimo indica, fica a esperança: a paquera, quando ela voltar a acontecer, deve ser mais criteriosa e produtiva.
Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739