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O petróleo é meu: cidades vizinhas travam guerra bilionária nos tribunais

O alvo é a distribuição de dinheiro de royalties em duas das regiões mais badaladas do litoral brasileiro

Por Reynaldo Turollo Jr. 10 dez 2022, 08h00

Em tempos de aperto fiscal, uma disputa barulhenta pela partilha dos royalties do petróleo, que atingem cifras bilionárias, tem esquentado o clima entre cidades vizinhas em duas das regiões mais badaladas da costa brasileira: o Litoral Norte de São Paulo e a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. A guerra chegou a tal ponto que as autoridades dos municípios envolvidos trocam acusações mútuas — na Justiça e nos bastidores — enquanto engrossam suas tropas com advogados e consultores caríssimos em busca de fazer prevalecer seus interesses. O esforço se justifica: estão em jogo valores que podem representar até metade da receita das prefeituras.

O imbróglio começou em 2020, quando a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e o IBGE revisaram os critérios de distribuição de royalties tirando uma parte de Ilhabela (SP) em favor da vizinha São Sebastião. A ANP é responsável pelos pagamentos, enquanto o IBGE traça as linhas imaginárias de projeção que determinam quais cidades têm direito ao recurso. Anteriormente, a tal linha parava em Ilhabela. Com a mudança, os órgãos passaram a entender que o limite deveria seguir até a parte continental, o que beneficiou São Sebastião.

No início deste ano, com base no caso paulista, três municípios fluminenses — São Gonçalo, Magé e Guapimirim — acionaram a Justiça pedindo o mesmo raciocínio à Baía de Guanabara, beneficiária dos royalties do petróleo produzido no Campo de Tupi, o maior do pré-sal do país. O argumento básico é que um vazamento de óleo não pararia na entrada da baía, mas prosseguiria até os municípios que estão atrás. Hoje, as cidades da entrada — Niterói, Maricá e Rio — ficam com a maior fatia, enquanto as do “fundo” recebem bem menos (veja o quadro).

DO RIO A BRASÍLIA - Niterói: a disputa na Baía de Guanabara já chegou ao STF -
DO RIO A BRASÍLIA - Niterói: a disputa na Baía de Guanabara já chegou ao STF – (Marcia Silva/EyeEm/Getty Images)

Os municípios que se consideram prejudicados pela regra foram à Justiça, a começar por Ilhabela. Em 2020, a prefeitura local abriu processo para tentar barrar a mudança, sob o argumento de que não foi ouvida. Desde então vem recebendo sua parte de acordo com a nova divisão, mas os recursos que seriam para São Sebastião têm sido depositados em uma conta judicial. O valor já chega a 902 milhões de reais, e o litígio foi parar em três tribunais. Na segunda-feira 5, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) finalmente liberou o dinheiro para São Sebastião. O prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), quer utilizar 300 milhões de reais para zerar déficits e precatórios e colocar em dia a previdência local. Com o restante, pretende construir escolas, creches e um prédio hospitalar, revitalizar praças e a iluminação da orla e, claro, investir no turismo. Contudo, a relação com a vizinha Ilhabela, a quem acusa de adotar uma “postura procrastinatória”, ficou estremecida. “É óbvio que as relações estão abaladas”, afirma.

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No caso fluminense, o TRF2 deu ganho de causa a São Gonçalo, Magé e Guapimirim — que chegaram a receber em agosto os royalties mensais e a participação especial paga trimestralmente, que é a parte mais gorda (cerca de 200 milhões de reais para cada município). Niterói recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A presidente da Corte, ministra Maria Thereza de Assis Moura, suspendeu em setembro os pagamentos, e o caso está no Supremo. A prefeitura de Niterói diz que haverá interrupção de serviços e atraso de salários. Já São Gonçalo afirma que a vizinha recebe tanto que nem consegue gastar — Niterói criou um fundo soberano, uma “poupança dos royalties”, para usar no futuro. “São Gonçalo é uma das cidades mais carentes do estado e o que recebemos é insignificante. Não queremos mais ser o patinho feio”, diz a procuradora-geral do município, Januza Santos.

Há ainda uma outra polêmica rondando essa disputa: os três municípios do Rio contrataram sem licitação uma banca de advogados que inclui o filho de um ministro do STJ (Djaci Falcão, filho de Francisco Falcão) e um especialista que atua em vários litígios sobre royalties (Vinícius Peixoto). A banca ganhará 20% dos valores pagos às prefeituras a título de taxa de sucesso — valor milionário que está em exame no Tribunal de Contas do Estado. Peixoto afirma que os honorários estão de acordo com o mercado e que os profissionais estudaram durante anos para atuar nessa seara. A prefeitura de São Gonçalo diz que o contrato é vantajoso para o município, que não tem procuradores com expertise nesse tema. Além disso, os honorários cobrirão gastos dos advogados com a contratação de técnicos, como geólogos e engenheiros ambientais.

As disputas atuais são um reflexo da cobiça gerada pela exploração do pré-sal. Iniciada nos governos petistas, ela teve um começo alvissareiro, com a promessa de que os recursos pagos pelas empresas à União, aos estados e aos municípios serviriam para reparar desigualdades, gerar desenvolvimento regional e movimentar a economia. De fato, somente para os municípios são pagos por mês mais de 1,5 bilhão de reais — isso sem contar as parcelas trimestrais, que dobram o valor. No entanto, dos 900 municípios beneficiários, cerca de 300 brigam na Justiça para rever critérios de partilha. O cenário mostra que a regulamentação do setor carece de aprimoramentos e de maior segurança jurídica. Só assim toda a riqueza do petróleo poderá, de fato, ser traduzida em mais desenvolvimento econômico e social.

Publicado em VEJA de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819

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