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Justiça apura desvio de dinheiro de campanha para tratar bebê

Pais, que arrecadaram 4 milhões de reais para filho com doença rara são acusados de gastar verba com viagem e bens; a VEJA, eles apresentaram justificativas

Por Fernanda Bassette
Atualizado em 1 fev 2018, 20h17 - Publicado em 1 fev 2018, 12h56
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  • A Justiça de Santa Catarina determinou o bloqueio das contas bancárias de um casal que mobilizou a internet a fim de conseguir dinheiro para o tratamento de uma doença rara do filho, Jonatas Openkoski. Eles são acusados por doadores de usar parte da verba em viagens e bens como um veículo de luxo avaliado em 140 mil reais.

    O caso também foi parar na Polícia Civil de Joinville, que deve abrir inquérito para investigar as suspeitas ainda essa semana. A família avisou que vai recorrer.

    A decisão judicial atendeu ao pedido do Ministério Público do Estado, que entrou com uma ação civil pública solicitando uma medida de proteção à criança. A ação tem como base a história do bebê Jonatas, de um ano e meio, que ganhou repercussão internacional no início do ano passado, quando o menino foi diagnosticado com AME (atrofia muscular espinhal), uma doença genética rara, degenerativa e extremamente grave, que costuma levar à morte em poucos anos de vida.

    Segundo Guilherme de Abreu Silveira, pediatra especialista em desenvolvimento infantil e responsável pelo tratamento de Jonatas, a doença é causada por uma mutação em um gene responsável por produzir uma proteína que “protege” os neurônios motores, justamente os responsáveis por levar o impulso nervoso da coluna vertebral para os músculos. Sem essa proteína, os neurônios morrem e os impulsos não chegam, o que provoca a atrofia muscular e a paralisação dos músculos. No caso da AME tipo 1 – a mais grave e a que foi diagnosticada em Jonatas – a expectativa de vida não ultrapassa os 2 anos.

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    “Essa é uma doença cruel, pois sem tratamento essa criança não vai falar, não vai andar, não vai conseguir respirar sozinha e nem se alimentar. E a parte cognitiva da criança é absolutamente preservada”, explica o médico, que tem outros 40 pacientes na mesma situação.

    Jonatas foi diagnosticado com a doença em janeiro do ano passado. Ao saber da grave condição de saúde do filho, Renato e Aline Openkoski, pais do menino, descobriram que os Estados Unidos haviam acabado de aprovar uma medicação revolucionária (Spinraza) que promete estabilizar a doença e até mesmo recuperar movimentos perdidos em alguns casos. O problema era o custo da medicação: 350 mil reais por ampola – são necessárias pelo menos seis aplicações nos dois primeiros meses de tratamento e uma aplicação a cada quatro meses em caráter de manutenção.

    Era preciso arrecadar pelo menos 3 milhões de reais e a família iniciou então uma campanha que extrapolou as barreiras do município e chegou até uma comunidade de brasileiros nos EUA, que arrecadaram cerca de US$ 40 mil para ajudar no tratamento do menino. Os pais criaram uma página no Facebook e outra no Instagram e fizeram rifas, bazares, pedágios, leilões, venda de camisetas, além de receberem doações voluntárias.

    Algumas celebridades abraçaram a causa e compartilharam em suas redes sociais o caso do menino Jonatas – entre eles os atores Danielle Winits e André Gonçalves, que doaram integralmente o cachê que receberiam por uma peça de teatro em Florianópolis, além das apresentadoras Ana Hickmann e Eliana, que também divulgaram o caso. Em uma partida de futebol em março do ano passado, jogadores do JEC de Joinville entraram em campo vestindo a camiseta da campanha e carregando uma faixa com os dizeres “AME Jonatas” com o número da conta bancária para doações.

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    Em pouco mais de dois meses, as doações atingiram a meta. Menos de um mês depois, em maio do ano passado, a soma ultrapassava os 4 milhões de reais. Nessa época o bebê continuava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital infantil de Joinville lutando para se restabelecer de uma pneumonia e diversas complicações de saúde associadas à doença.

    Suspeita de desvio

    A desconfiança dos doadores de que o dinheiro estaria sendo mal administrado pelos pais começou no meio do ano, após a divulgação de que a meta de 3 milhões havia sido alcançada e o remédio do menino ainda não havia sido comprado – a droga é fabricada nos EUA e precisa ser importada, procedimento que demora pelo menos uns 40 dias. Segundo Renato Openkoski, 20 anos, pai do menino, o atraso aconteceu porque Jonatas estava internado e não tinha condições clínicas de receber a medicação.

    Depois, os pais se mudaram de uma casa simples para uma outra muito maior e compraram um carro avaliado em 140 mil. A mudança repentina no padrão de vida chamou a atenção dos doadores, já que a família era de origem simples: antes do diagnóstico Renato trabalhava como palestrante religioso e Aline era estudante.

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    Além disso, segundo a promotora de Justiça Aline Boschi Moreira, em uma audiência judicial realizada em outubro passado, havia sido acordado que o casal prestaria conta dos recursos arrecadados e das despesas efetuadas, sendo o valor depositado em uma conta judicial. No entanto, isso nunca foi feito.

    A gota d’água aconteceu no final do ano, quando Renato e Aline foram passar o Ano-Novo em Fernando de Noronha, um dos destinos turísticos mais caros do país, deixando Jonatas em casa, sob os cuidados dos avós paternos. O casal postou várias fotos da viagem na internet, inclusive com celebridades como Neymar, Bruno Gagliasso e Paula Fernandes.

    A viagem chamou a atenção dos doadores, que criaram uma página no Facebook chamando o casal de fraude e levaram o caso ao Ministério Público. “O fato, salvo melhor juízo, demonstra que não se pode descartar, pelo menos nessa análise inicial, a possível utilização de parte das doações para fins distintos daquele almejado: a garantia do direito à saúde de Jonatas”, considera a promotora, que encaminhou o caso à polícia pedindo investigações sobre apropriação indébita.

    Em poucos dias, a página questionando os pais e pedindo prestação de contas do dinheiro usado chegou a 15 mil seguidores. Além disso, foi criado um grupo de WhatsApp com mais de 200 membros que trocam informações sobre as ações dos pais. Ana, criadora da página, diz que doou 16 mil para a campanha. “Era o dinheiro que eu havia juntado para a viagem de férias com meu marido e filho. Abri mão disso e vejo eles se divertindo em Noronha”, diz.

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    Em 16 de janeiro a Justiça determinou o bloqueio das três contas do casal. Desde então, a liberação da verba só acontece mediante apresentação de notas e prestação de contas. Em entrevista a VEJA, Renato Openkoski, pai do menino, afirmou que vai recorrer da decisão, que ele considera injusta, e afirmou que não existe desvio do dinheiro arrecadado. “Essa decisão é incabível e vamos revertê-la o mais rápido possível. Preciso do dinheiro para cuidar do meu filho.”

    De acordo com Renato, a família mudou de casa porque era preciso um local maior para adaptar o quarto de Jonatas, que depende de aparelhagem hospitalar 24 horas. “Pagamos 2.300 reais de aluguel com o dinheiro da campanha. O quarto adaptado faz parte do tratamento do Jonatas”. Renato diz ainda que comprou um carro maior para garantir o conforto do filho durante o transporte. Sobre a viagem à Fernando de Noronha, Renato diz que ele e a esposa viajaram a convite do médico Danny César de Oliveira Jumes, de Balneário Camboriú, que teria custeado todas as despesas. “O doutor Danny é muito amigo nosso e disse que era bom a gente viajar uns dias para descansar um pouco, afinal, ficamos oito meses dentro de um hospital. Ele pagou tudo, não gastamos um real da campanha. Ficamos só quatro dias fora e nosso filho ficou em casa, com meus pais, sendo muito bem cuidado”, afirmou Renato. VEJA ligou quatro vezes na clínica de Danny César e deixou recados, mas o médico não atendeu nem retornou as ligações. O gerente da clínica informou que eles não falariam sobre ações pessoais do profissional.

    Renato disse ainda que importou no ano passado quatro ampolas do remédio Spinraza, ao custo de R$ 1,67 milhão. A droga chegou em novembro e Jonatas já recebeu duas aplicações: uma no dia 7 de janeiro e outra no dia 21. A terceira dose deve ser aplicada neste fim de semana. “Já vejo evoluções no meu filho. E vou continuar lutando por ele.”

    Renato diz que não leva uma vida de luxo e diz que não entende por que as pessoas estão contra eles. “Luxo seria eu ter meu filho correndo, brincando. Mas não. Ele está preso num quarto. Dinheiro para o Jonatas não é luxo, é questão de sobrevivência”, afirmou.

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    Imoral ou ilegal

    Para o advogado criminalista Euro Bento Maciel Filho, mestre em Direito Penal, o caso é complexo juridicamente e pode ser considerado mais “imoral” do que “ilegal”. “Esse é um caso bastante atípico. A doação do dinheiro veio de terceiros, que espontaneamente abriram mão de parte do seu patrimônio para doar para a família teoricamente sem esperar nada em troca”, explica.

    De acordo com ele, na área cível, é possível que os doadores peçam a revogação da doação por ingratidão do donatário. “Para isso, seria necessário provar que foi feita uma doação e demonstrar que o dinheiro tem sido usado para outro fim, que não o tratamento do menino”, diz Maciel. Na área criminal, o caso poderia ser enquadrado como estelionato ou como crime contra a economia popular. “Nesse caso é um pouco mais difícil, pois teria que se provar que os pais queriam desde o início lesar terceiros, o que não parece ser o caso”, diz.

    Ana, que fez a página denunciando o suposto mau uso dos recursos, afirma que não quer o dinheiro de volta e diz que criou a página para denunciar o desvio de finalidade do dinheiro arrecadado. “Diariamente chegam denúncias de que eles [os pais] fazem viagens frequentes para Balneário [Camboriú], eles tiveram uma mudança expressiva de padrão de vida. Só queremos cobrar mais responsabilidade dos pais, pois eles jogaram por terra a credibilidade da campanha do Jonatas e de outras crianças na mesma situação.”

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