O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta quarta-feira durante sessão da Corte que a Lava Jato criou um “tipo de direito penal de Curitiba”, em alusão às decisões tomadas pelo juiz Sergio Moro e pelos procuradores federais responsáveis pela operação na primeira instância.
A frase foi proferida durante a retomada do julgamento que analisa a validade da delação firmada pelo Ministério Público Federal com a JBS e se o ministro Edson Fachin permanece como relator dos inquéritos derivados dessa colaboração.
Na semana passada, quando o julgamento foi interrompido, a maioria dos ministros ( 7 votos) já havia votado por referendar a delação e manter Fachin à frente dos processos. Faltam votar ainda, além de Gilmar, os ministros Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e a presidente do tribunal, Cármen Lúcia.
“Criou-se um tipo de direito penal de Curitiba, normas que não têm nada a ver com o que está na lei, e torna-se impossível o controle da legalidade”, disse o ministro. “Combater crime não se pode fazer cometendo crimes ou irregularidades”, afirmou.
Ministro mais crítico do acordo com a JBS, ele levantou a voz mais de uma vez durante sua argumentação na Corte. Disse que o tribunal tem dever de “lealdade com a Constituição, e não com a Procuradoria” e que a “Procuradoria também está submetida à Constituição”.
“Esse ciclo de inovações parece ter chegado ao ápice nas delações do grupo Odebrecht (…) [alguns delatores] vão cumprir pena sem inquérito, sem denúncia e sem sentença. É o novo direito penal, que viola o princípio da legalidade, mas, mais do que isso, viola a Constituição. Esses acordos passaram a ter força constituinte, porque revogam normas constitucionais”.
Gilmar já havia criticado anteriormente o comportamento da força-tarefa em Curitiba. Em uma dessas críticas, atacou o que chamou de “alongadas prisões que se determinam em Curitiba”, em referência às prisões preventivas determinadas por Moro.
“Certamente, o juiz Moro já referendou várias dessas cláusulas [de acordos de delação premiada firmados pelo MPF]. A falta de controle custará caro a todo o sistema jurídico. Cláusulas sobre a liberdade no curso do processo passaram a ser figurinha carimbada nos processos, novamente sem previsão legal”, disse.
Para Gilmar, se Joesley Batista, dono da JBS, não pode ser denunciado – como foi acertado pela Procuradoria no acordo de delação -, não há como o procurador-geral, Rodrigo Janot, provar que ele era o líder da organização criminosa, posição que, pela lei, impede o fechamento de delação premiada. Ele comparou Joesley a líderes das facções criminosas PCC e Comando Vermelho. “Talvez um acordo de colaboração, para desenvolvermos a ideia ad absurdum, possa ser apto a rescindir as sentenças quase centenárias de Fernandinho Beira-Mar [líder do CV] ou de Marcola [chefe do PCC] com as premissas que estão sendo assentadas. Basta que o Ministério Público diga que eles não são líderes da organização”.
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