Em setembro passado, VEJA publicou uma reportagem mostrando que as ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se intensificaram depois dos ataques do dia 8 de janeiro. Em média, eram três por dia, a maioria através de postagens em redes sociais. O setor de segurança da Corte tem uma equipe que monitora e encaminha para a Polícia Federal o nome dos autores e das mensagens que são classificadas como de risco “real” ou “potencial”. O chaveiro Francisco Wanderley Luiz, ao que tudo indica, conseguiu passar despercebido. Na noite de quarta-feira 13, ele foi até a Praça dos Três Poderes, explodiu o próprio carro que estava estacionado a alguns metros do Congresso, depois caminhou até o STF, onde atirou o que pareciam ser rojões em direção ao prédio. Na sequência, tirou um artefato de dentro de uma mochila, deitou no chão e colocou o objeto sob cabeça. A explosão dilacerou uma das mãos e parte da cabeça do homem, que morreu na hora.
Francisco Wanderley tinha evidentes sinais de desequilíbrio mental. Morador de Rio do Sul, em Santa Catarina, ele havia se mudado para Brasília há cerca de três meses, alugou uma casa nos arredores da cidade e lá montou os artefatos. No lugar, além de mais explosivos, a polícia encontrou uma mensagem escrita num espelho, fazendo referência aos ataques do 8 de Janeiro. Os vizinhos o descreveram como um homem tranquilo e educado. Em postagens nas redes sociais, o chaveiro escrevia textos desconexos. Em um deles, alertou que a Polícia Federal teria 72 horas para desarmar bombas colocadas na casa de “comunistas” (ele cita o nome de alguns alvos). O “jogo” começaria no dia 13, quarta-feira, e terminaria no dia 16. Em outras postagens, deixou claro que pretendia praticar um atentado, ressaltou que não era “terrorista” e criticou o presidente Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro: “Bolsonaro e Lula se vocês amam o Brasil se afastem da vida pública. Chega de polarização!!!”.
O deputado federal Jorge Goetten (Republicanos-SC) conhecia o chaveiro havia tempo. Eles são da mesma cidade. Segundo o parlamentar, Francisco já foi um empresário de sucesso e, mais recentemente, aparentava “problemas mentais” depois de passar por um processo de divórcio. Ouvida pela polícia, a ex-mulher contou que o companheiro comentou certa vez que queria “matar” o ministro Alexandre de Moraes. No momento do ataque, Francisco, ex-candidato a vereador pelo PL em 2020, vestia uma fantasia com alusão ao Coringa, vilão de filmes e histórias em quadrinhos. A Polícia Federal está investigando se o chaveiro recebeu o apoio de alguém ou se agiu sozinho. As primeiras informações sugerem a segunda hipótese. Isso, porém, não diminuiu a gravidade do episódio. Francisco, pelo que se viu em suas postagens, esteve no plenário do Supremo há dois meses, tirou fotos no local e, sem ser incomodado, ainda fez um gracejo: “Deixaram a raposa entrar no galinheiro”.
No momento da investida contra o STF, no início da noite, chovia muito em Brasília e a Praça dos Três Poderes estava vazia, o que ajudou a evitar uma tragédia maior. O episódio precisa servir de alerta. O chaveiro estacionou o carro, andou tranquilamente até as proximidades do tribunal, atirou o primeiro explosivo e, se quisesse, poderia ter avançado sobre o prédio antes de se matar. Como se viu recentemente na campanha eleitoral dos Estados Unidos, onde o então candidato Donald Trump escapou da morte por um fio, e no Brasil, quando Bolsonaro foi esfaqueado durante a campanha de 2018, os chamados “lobos solitários” representam uma ameaça muitas vezes maior do que grupos organizados. Eles agem por conta própria, não seguem um padrão de comportamento, geralmente não se comunicam com ninguém e, por tudo isso, são imprevisíveis e permanecem invisíveis até o momento em que decidem agir. A única maneira de evitar o pior é reforçar ao extremo o aparato de segurança — o que já deveria ter sido feito há mais tempo.
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2024, edição nº 2919