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Enfim, isolado

Em medida importante mas tardia, Marcola, chefão do PCC, é transferido para um presídio federal de onde, espera-se, não poderá mais comandar sua facção

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 fev 2019, 07h00 - Publicado em 15 fev 2019, 07h00

No fim de 2018, cidades pequenas do interior paulista, na região de Presidente Prudente, começaram a receber homens da elite da Polícia Militar. No início de fevereiro, o Exército e a Polícia Federal passaram a intensificar as ações de revista e bloqueios na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Na terça-feira 12, agentes penitenciários fizeram uma blitz nos presídios de São Paulo atrás de celulares e armas. Na madrugada do dia seguinte, policiais militares e civis de São Paulo e Mato Grosso do Sul receberam orientações para redobrar a atenção contra possíveis ataques.

A razão de toda essa movimentação se esclareceu na manhã do mesmo dia, quando se anunciou que o chefe máximo do Primeiro Comando da Capital (PCC), a mais poderosa organização criminosa do Brasil, Marcos Herbas Camacho, o Marcola, seria transferido da penitenciária de segurança máxima em Presidente Venceslau para um presídio federal. Junto com ele, outras 21 lideranças da chamada “Sintonia Final” da facção seriam transferidas de São Paulo para três presídios federais em Porto Velho (RO) — onde ficará o próprio Marcola —, Mossoró (RN) e Brasília (DF). O medo não era despropositado. Quando Marcola foi transferido para Presidente Venceslau, em 2006, policiais foram atacados a bala na rua e dentro de delegacias. Houve rebeliões em cadeias e ônibus foram incendiados, o que espalhou pânico pelo estado.

Até a publicação desta reportagem, nenhum ataque havia sido registrado pelas autoridades. Mas o receio perdurava. Em 2006, os atentados começaram no dia seguinte à transferência e só se encerraram quando representantes do governo estadual negociaram uma trégua com Marcola — trégua cujos termos são nebulosos até hoje. “Os bandidos estão todos amoitados. São como crianças: se estão quietos, é porque estão planejando alguma arte”, diz um delegado de Mato Grosso do Sul.

O receio de que Marcola fosse resgatado do presídio paulista acabou predominando sobre o medo de represálias. Apesar de ser de segurança máxima, a prisão onde ele cumpria penas por homicídio, tráfico de drogas, roubo e formação de quadrilha — somadas, as sentenças chegam a 330 anos — não foi capaz de impedir totalmente a comunicação do chefão do PCC com o exterior. Um plano de fuga foi descoberto por interceptações da inteligência da Secretaria da Administração Penitenciária e do Ministério Público. Era um esquema espetacular, que envolvia mercenários estrangeiros com armamento pesado capaz de derrubar aviões. Treinados na Bolívia pelo traficante Gilberto Aparecido, o Fuminho, companheiro de longa data de Marcola, o bando entraria no Brasil pelo Paraguai e se dividiria em diversas equipes em São Paulo. Uma delas explodiria a subestação de energia elétrica da Presidente Venceslau; outra incendiaria carretas para bloquear a Rodovia Raposo Tavares; e um terceiro grupo sitiaria instalações da polícia. Em blindados, homens armados invadiriam o presídio para libertar Marcola.

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O plano frustrado é descrito na decisão do juiz Paulo Sorci, que em 9 de fevereiro ordenou a transferência de Marcola. Sorci atendeu ao pedido do promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Presidente Prudente, Lincoln Gakiya, responsável por mandar mais de 1 500 membros da facção para a cadeia. A solicitação partiu de Gakiya porque, mesmo com a descoberta do plano de fuga, no ano passado, o governo de Márcio França (PSB) não se mexeu para mudar Marcola de lugar. “O Estado não pode deixar de agir diante de possível retaliação. Se assim fosse, nem precisaríamos de Estado. O enfrentamento do crime organizado é política de Estado. Não pode ser política do político”, criticou o juiz no despacho.

A missão espinhosa caiu no colo do sucessor (e adversário) de França, João Doria (PSDB), que organizou a transferência com o ministro Sergio Moro antes mesmo de tomar posse, em dezembro. De fato, o encaminhamento de Marcola e companhia para o sistema penitenciário federal, onde já estão os líderes de outras facções, como Comando Vermelho e Família do Norte, sempre foi um apelo dos policiais e promotores que investigam o PCC. Para eles, a medida foi atendida tardiamente. Apesar de positiva, não significa um golpe fatal na facção. De acordo com os investigadores, o PCC se estruturou nos últimos anos em células que agem com independência em relação ao comando central e que rapidamente substituem chefes afastados ou mortos. “Só uma operação contra as finanças da facção seria capaz de enfraquecê-la”, diz um delegado da alta cúpula do governo paulista. Segundo investigações do próprio Gakiya, o PCC hoje chega a movimentar 300 milhões de reais por ano com o tráfico de cocaína e maconha, tem mais de 30 000 membros e espalhou-se por todos os estados brasileiros, chegando a países vizinhos como Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia.

Para Doria, o ato tem importância política. Na quarta-feira 13, ele celebrou a transferência com pompa, citando nominalmente Marcola como chefe do PCC, coisa que o seu padrinho, o ex-governador Geraldo Alckmin, evitava fazer. Resta saber se o tardio reconhecimento da força da facção e a transferência dos seus líderes para penitenciárias federais serão suficientes para impedi-los de comandar o crime de trás das grades.

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O capo da fronteira

IMPLACÁVEL - Minotauro: eliminando a concorrência (//Reprodução)

Dez dias antes da decisão de transferir Marcola para um presídio federal, outro chefe do crime era preso: Sergio Quintiliano Neto, o “Minotauro”. Natural de Bauru (SP), ele fez carreira entre Brasil e Paraguai, tomando o lugar do traficante Jorge Rafaat, assassinado pelo PCC na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, em 2016. Por aquele trecho da fronteira passa boa parte das drogas e dos armamentos que alimentam o crime no Brasil. Segundo investigações da Polícia Civil de Ponta Porã (MS), Minotauro eliminou os inimigos que disputavam o lugar do chefe morto. Ele é acusado de promover uma série de atentados no Brasil e no Paraguai — um candidato a prefeito de Ponta Porã que teve casa metralhada está entre as vítimas. Visado depois de matar um policial, Minotauro fugiu da região, mas acabou preso pela Polícia Federal em um apartamento de luxo em Balneário Camboriú (SC). Também deve cumprir pena em prisão federal.

Publicado em VEJA de 20 de fevereiro de 2019, edição nº 2622

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