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Como funciona a rede de corrupção de Adir Assad, rei dos laranjas e dos caixas de campanha

Empresário-fantasma faturou 1 bilhão de reais com um serviço valioso: corrupção e financiamento clandestino de candidatos. Entre seus clientes, estão as maiores empreiteiras do país, bancos, consórcios, consultorias, concessionárias e muitos amigos do poder...

Por Alana Rizzo, Daniel Pereira e Rodrigo Rangel
30 jun 2016, 17h40
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  • Reportagem originalmente publicada em 14 de dezembro de 2013 em VEJA

    O empresário paulista Adir Assad é uma pessoa conhecida no ramo do entretenimento. Durante décadas, ele trabalhou na captação de patrocínios para shows e espetáculos. Por suas mãos vieram ao Brasil a banda U2 e as cantoras Amy Winehouse e Beyoncé. Nas festas e jantares estava sempre em companhia de gente famosa. Assad se acostumou aos holofotes, mas, apesar da badalação, levava uma vida típica de classe média. Essa história começou a mudar quando o empresário – que aprendeu com o pai, um mascate de origem libanesa, que o segredo do sucesso é vender bem – trocou o ramo dos eventos pelo de engenharia. Mais especificamente, aquela engenharia perversa que garante o repasse de dinheiro, sob a forma de propina e caixa dois eleitoral, a servidores públicos e políticos corruptos. A mudança de área de atuação teve efeitos imediatos. O faturamento das empresas de Assad cresceu 574 vezes em quatro anos, ele enriqueceu e, de quebra, trocou o noticiário de celebridades pelo policial, sob a suspeita de coordenar um esquema de distribuição clandestina de recursos estimado em 1 bilhão de reais.

    Formado em engenharia civil, Assad contribuiu para o fim melancólico da CPI do Cachoeira. Criada pelo PT para atacar instituições que investigaram e denunciaram o mensalão, a comissão passou a aterrorizar os políticos, inclusive os petistas, depois de VEJA revelar que a empreiteira Delta, até então a principal fornecedora da União, usava uma extensa rede de empresas-fantasma para pagar propina a servidores públicos e financiar ilegalmente campanhas eleitorais. Assad era peça vital dessa engrenagem. Suas empresas de engenharia e terraplenagem recebiam da Delta grandes quantias, que depois eram sacadas na boca do caixa e repassadas aos beneficiários finais. Coube ao próprio dono da Delta, Fernando Cavendish, relatar esse esquema a parlamentares. Na conversa, Cavendish disse que não apenas a Delta mas companhias de diversos setores usavam o laranjal de Assad para remunerar funcionários públicos e políticos. O recado era claro. Todos, empresários e autoridades, perderiam se o esquema fosse investigado a fundo. Todos deixaram o esquema de lado. Em agosto do ano passado, VEJA mostrou que as firmas de Assad haviam recebido mais de 200 milhões de reais da Delta e de outras empreiteiras. Agora, descobre-se que o valor é muito maior.

    A contabilidade das empresas de Assad revela que elas receberam 1 bilhão de reais, entre 2006 e 2013, de 134 clientes, como empreiteiras, bancos, usinas de energia, empresas de logística, incorporadoras e concessionárias de rodovias. Quase metade dos clientes (cinquenta) são empreiteiras e empresas da construção civil, que juntas desembolsaram 750 milhões de reais. A evolução do faturamento de Assad acompanha a escalada da Delta no ranking de fornecedores da União. Em 2006, as firmas do empresário faturaram 660 800 reais. Em 2010, ano de eleições gerais, 379 milhões de reais. Delta e Assad compartilham de outras coincidências. Entre as clientes do laranjal do empresário figura a Sigma Engenharia. Trata-­se daquela empresa comprada por Cavendish que contratou o mensaleiro José Dirceu como consultor. Foi justamente numa conversa com seus ex-sócios da Sigma que Cavendish contou que o segredo para abocanhar contratos públicos era pagar propina e comprar políticos. A frase é célebre: “Se eu botar 30 milhões na mão de políticos, sou convidado para coisas para ‘c…'”.

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    Integrantes do Ministério Público e da Polícia Federal suspeitam que Assad seja o instrumento para botar os tais milhões na praça. Por uma simples razão. Quem contrata as empresas de Assad não espera que elas realizem serviços de engenharia e terraplanagem. Quer apenas usá-las para dificultar o rastreamento do dinheiro que sairá da iniciativa privada para os bolsos de servidores públicos, políticos e candidatos. É sintomático o fato de as firmas de Assad serem consideradas fantasmas. Parte delas tem como sede uma casa vigiada por um pitbull e um sobrado maltratado. No início, o próprio Assad aparecia como sócio de algumas firmas. Depois, foi transferindo-as para os chamados “laranjas”, como os manuais da corrupção definem aqueles que emprestam o nome para esconder a identidade dos verdadeiros donos do negócio. Os escolhidos, quase sempre, eram seus funcionários e agregados, como o casal Jucilei dos Santos e Honorina Lopes. Há poucos meses, uma parte das empresas de Assad foi declarada inapta pela Receita Federal. O motivo: “localização desconhecida”. Apesar do faturamento bilionário, as empresas também não têm empregados registrados e contam com o serviço dos mesmos contadores.

    Atualmente, Assad banca os custos de defesa de seus laranjas. Dinheiro não deve ser problema para ele. Como operador do esquema, ele ganhava até 10% do valor da nota emitida. Ou seja: teria amealhado até 100 milhões de reais. O filho do mercador soube vender bem seus serviços e fez fortuna. Uma ascensão patrimonial que pode ser retratada pela mudança de endereço. Hoje, Assad mora no conjunto de torres residenciais do Shopping Cidade Jardim, um dos endereços mais caros e exclusivos de São Paulo. Antes, residia num apartamento na Avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi. Em outubro, investigadores coletaram documentos nos escritórios de Assad e de Cavendish. Na semana passada, ficaram prontos os primeiros laudos contábeis do inquérito da Delta. “É um caso muito sensível que pode respingar em muita gente poderosa”, disse a VEJA um dos investigadores. E pode mesmo. No auge da CPI do Cachoeira, senadores do PT lembraram, numa reunião fechada, que Assad tinha “ramificações” no partido em São Paulo. Investigá-lo seria dar um tiro no pé. Idêntica preocupação correu outros gabinetes da Câmara.

    Para impedir a apuração do laranjal, o PT tentou reforçar seu time na CPI. Ex-presidente do partido, o deputado Ricardo Berzoini foi escalado como suplente do inexpressivo deputado Sibá Machado. O PT ainda tentou convencer o PMDB a lhe abrir vagas na CPI. Em vão. O PMDB também estava preocupado com o governador Sérgio Cabral, amigo de Cavendish, e com o destino de deputados peemedebistas eleitos pelo Rio. “A investigação poderia respingar em todo mundo, de todos os partidos e de várias empreiteiras. A preocupação era generalizada”, lembra um deputado petista. A lista de clientes de Assad justifica plenamente o arquivamento do caso no Congresso. Além de grandes empreiteiras, despontam na relação dois amigos do peito do ex-presidente Lula. Queridinha do governo passado, a JBS pagou 1 milhão de reais a uma empresa de Assad em julho de 2010, véspera da eleição. Berzoini, o reforço petista, sabia disso. Já a usina São Fernando Açúcar e Álcool desembolsou 3 milhões de reais para Assad em 2011. O dono da usina é José Carlos Bumlai, o compadre de Lula que tinha acesso livre ao Palácio do Planalto e atuava como uma espécie de tutor dos filhos do petista na área dos negócios.

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    Os clientes que mais pagaram a Assad não quiseram comentar o caso. O empresário (veja a entrevista na pág. 83) rechaçou as suspeitas que pesam contra ele. A palavra final, no entanto, será dada pelas autoridades que investigam o caso, que têm boas pistas para chegar aos beneficiários do dinheiro. A engenharia financeira comandada pelo empresário não é um caso isolado no país. São variados, e multipartidários, os esquemas de pagamento de propina e financiamento ilegal de campanhas. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar uma ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela OAB, que pretende proibir a doação de empresas a partidos e candidatos. À primeira vista, o recurso é meritório, já que visa a interromper a engrenagem perversa em que agentes privados financiam os candidatos para receber em troca toda sorte de favores. A ação já conta com o voto favorável de quatro ministros. Entre eles, o presidente do STF, Joaquim Barbosa: “O poder econômico não deve mais condicionar o poder político”. Barbosa tem razão. Pena que o poder econômico não deixará de ter peso decisivo no sistema político graças a uma decisão judicial. Pelo contrário, a restrição à doação legal tende a reforçar as contribuições por fora e semear o terreno para o surgimento de novos Assad. A mudança vai privilegiar duplamente o PT. Se for instaurado o financiamento público de campanha, o partido, por ter a maior bancada federal, receberá a maior parte do bolo. As demais siglas, que não dispõem do controle da máquina federal nem do portentoso esquema de publicidade institucional, disporão de menos recursos para fazer frente à hegemonia petista. Uma democracia sem oposição viável e sem perspectiva de alternância de poder é uma calamidade. O financiamento público de campanhas vai torná-la realidade.

    Colaboraram Hugo Marques e Adriano Ceolin

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