Carta ao Leitor: Um projeto de Estado
Está mais do que na hora de o país abandonar a guerra ideológica e chegar a um caminho que pavimente a educação como a mais nobre ferramenta da civilização
Não há forma mais inteligente e eficaz de sair das franjas do subdesenvolvimento do que o investimento em educação. Países que fizeram a lição de casa, como Singapura e Coreia do Sul, ao encaminhar o ensino como projeto de Estado, aceleraram o crescimento, reduziram as desigualdades e promoveram a ascensão de uma juventude empreendedora e bem-sucedida. No caso da Coreia do Sul, por exemplo, a renda per capita aumentou de 100 dólares, em 1963, para 42 500 dólares, em 2022. O Brasil segue na contramão, como se fosse impossível pensar a longo prazo. Inexiste qualquer tipo de pacto que autorize um governo a manter em pé o edifício de avanços da gestão anterior — e de destruição em destruição, o edifício vai ruindo. No Pisa, a mais reputada avaliação internacional de alunos de 15 anos, os brasileiros ocupam o fundão da sala em ciências, matemática e leitura. Entre 79 nações, o país mal consegue chegar à posição 55, espremido entre Colômbia e Malásia, Argentina e Bósnia. Singapura e Coreia do Sul, ao contrário, despontam sempre no topo da pirâmide.
Nesta edição, VEJA faz um extraordinário mergulho numa história que traduz a tragédia educacional. Em 2005, Cristovam Buarque — hoje colunista da revista —, então senador pelo PT, que dois anos antes servira como ministro da Educação, esteve em Vila Canaã, distrito pobre de Caruaru, no agreste de Pernambuco. O presidente Lula, em sua primeira gestão, estivera lá pouco antes e apareceu em fotografia ao lado de crianças sorridentes e esperançosas, embora mal nutridas. Buarque, sempre atento, escreveu uma carta para Lula. “Estas crianças têm nome, como dar-lhes um futuro?” Descreveu o cotidiano da meninada e suas famílias, revelou as dores e dramas, e listou uma série de iniciativas para transformá-los, de fato, em cidadãos. Dez anos depois, em 2015, Buarque voltou a Pernambuco — as crianças tinham virado adolescentes, não haviam completado o período escolar, uma das moças já tinha um filho. Aferrados à pobreza, apenas sobreviviam, se tanto.
Na semana passada, ele voltou à Vila Canaã, desta vez acompanhado da editora executiva de VEJA, Monica Weinberg, uma das mais competentes jornalistas brasileiras nos temas relacionados à educação. O retrato, agora, que pode ser lido com toda a crueza e acuidade a partir da página 58: aqueles meninos e meninas do começo do século são pais e mães, mas seus filhos ainda enxergam um futuro turvo. Dependem do Bolsa Família, trabalham em fábricas atreladas à indústria de jeans — mas, como saíram da escola antes de concluí-la, patinam na incerteza e no medo. Estão parados no tempo. Ou seja: está mais do que na hora de o país abandonar a guerra ideológica e chegar a um caminho que, de administração em administração, à direita ou à esquerda, pavimente a educação como a mais nobre ferramenta da civilização. Vale sempre lembrar de uma frase do matemático e filósofo grego Pitágoras (570-495 a.C.) que atravessou os milênios melancolicamente atual: “Eduquem as crianças, e não será necessário punir os adultos”.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855