Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Carta ao Leitor: A Igreja e o Estado

Em meio ao avanço evangélico no Brasil, vale a pena olhar os exemplos dos pioneiros americanos, que, sabiamente, ergueram um muro entre religião e política

Por Da Redação Atualizado em 21 jul 2023, 10h02 - Publicado em 21 jul 2023, 06h00

Donos de uma população de intensa fé e profundamente identificados com o protestantismo, os Estados Unidos tiveram enorme dificuldade em separar a religião da formação oficial de seu Estado. Nos debates para a promulgação da Constituição, de 1787, havia uma forte pressão para que o país se declarasse como uma “nação cristã” em sua carta. A medida só não avançou pela ação dos chamados founding fathers, os pais-fundadores. Influenciados pelo deísmo — doutrina que acredita na existência de Deus, mas não nos dogmas e nos rituais de uma igreja —, eles preferiram manter a separação entre os dois assuntos. Benjamin Franklin, George Washington, Thomas Jefferson e, em especial, Thomas Paine (“My own mind is my own church”) trabalharam incansavelmente para evitar a fusão entre os dois temas. Evidentemente, a religião continuou a exercer papel relevante na política e nos valores da nova pátria. Baseados na ética do trabalho e no espírito colaborativo, os Estados Unidos, de fato, construíram um modelo bem-sucedido. Até hoje, vale ressaltar, a formação religiosa de seus cidadãos é apontada como um dos fatores marcantes no seu desenvolvimento — não porque ela se misturou com a política. Mas como um dos pilares do modus vivendi americano.

Com uma tradição majoritariamente católica, o Brasil seguiu uma trilha diferente. Da fundação do país, celebrada com uma missa, até 1889, o catolicismo foi nossa religião oficial — e tivemos um padre, Diogo Feijó, como regente do Império entre 1835 e 1837. Tal influência permaneceu significativa até o golpe militar de 1964, quando paulatinamente setores da Igreja, na defesa dos direitos humanos, se afastaram do poder central. Coincidentemente, começa aí o momento de crescimento da fé evangélica no Brasil. Novas vertentes, com mensagens mais modernas e diretas, iniciaram um avanço fulminante sobre a população brasileira, especialmente nas camadas de menor poder aquisitivo. Havia quem visse nesse movimento um sinal alvissareiro. Com o crescimento dos evangélicos, mazelas como o analfabetismo e a violência poderiam diminuir e a ética do trabalho talvez ajudasse a impulsionar o crescimento econômico.

Até aqui, infelizmente, os efeitos positivos ainda não foram sentidos da mesma forma que os negativos. Desde o início, o projeto dessas novas igrejas evangélicas se confunde com a política, defendendo interesses próprios e usando os fiéis como massa de manobra para emplacar representantes no Congresso Nacional. A bancada evangélica, hoje com 246 membros (220 deputados e 26 senadores), é uma das mais participativas em Brasília e o seu apoio, fundamental na aprovação de emendas e leis. Não por acaso, essas igrejas foram contempladas com isenções na reforma tributária, facilitando ainda mais sua multiplicação país afora. Hoje nascem dezessete novos templos a cada 24 horas no Brasil. Na estimativa mais conservadora, mantido o ritmo atual, o país será uma nação de maioria evangélica já em 2032. Nada contra a crença, ao contrário, mas talvez valesse a pena olharmos os exemplos dos pioneiros americanos, que, sabiamente, ergueram um muro entre religião e política — algo que nem os Estados Unidos, aliás, conseguem fazer nos dias atuais.

Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.