Um dos maiores expoentes do negacionismo durante a pandemia, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) assumiu igual protagonismo nas últimas semanas no esforço contra a liberação da maconha no país, tema que se encontra em discussão no STF. A exemplo do que ocorreu na época do combate à Covid-19, Terra espalha desinformação em sua nova cruzada. Exemplo disso ocorreu no último dia 21, quando o parlamentar fez um post na rede X (ex-Twitter) tentando relacionar a morte de uma criança por overdose de Fentanil com a recente legalização da maconha no estado de Nova York. Será que isso faz algum sentido?
Claro que não. Aos fatos (ignorados por Osmar Terra): o Fentanil é um medicamento devidamente registrado e vendido sob prescrição médica nos Estados Unidos indicado para dor. Mesmo em doses baixas a substância pode ser letal e vem gerando o que já é considerado o maior problema de saúde daquele país no presente. Só nos últimos 12 meses, mais de 60 mil norte-americanos morreram de overdose por medicamentos como o Fentanil, que simula a molécula do ópio e é 50 vezes mais poderoso que a heroína. Apesar de sua prescrição e uso serem estritamente regulamentados, a droga se transformou no maior problema de saúde pública dos EUA da atualidade. Já a cannabis, liberada em 2021 e com abertura efetiva de lojas regulares em Nova York somente este ano, não tem nenhum registro de óbito por overdose em toda a literatura científica, sem falar em seu enorme potencial terapêutico.
Essa correlação desonesta entre regulações e substâncias diferentes cria apenas uma cortina de fumaça sobre o que interessa: criar políticas públicas que garantam a segurança da população. Choca ainda mais o fato de o autor das mensagens sobre este tema ser parlamentar e médico.
O ponto central da proposta que nós duas fizemos como membros do “Conselhão” do presidente Lula reside no fato de que não há lógica em proibir substâncias pouco perigosas para a saúde e de alto potencial terapêutico, como a Cannabis e psicodélicos – a exemplo dos cogumelos Psilocybe, enquanto estão liberadas outras altamente danosas como o Álcool e o Tabaco – que deveriam pagar impostos maiores revertidos para o SUS -, ou opiáceos, como o Fentanil.
A nossa proposta ao Conselhão resultou na criação de um grupo de trabalho para uma nova Política Nacional de Substâncias Psicoativas para o Brasil. Ela se pautará pelos fatos e pela ciência para a criação de políticas públicas seguras para a população.
A correlação entre o abuso de medicamentos e a regulação da cannabis não faz sentido algum. Mas reforça que a nossa proposta está no caminho certo e é extremamente necessária. Tratar de forma científica e ponderada as substâncias estigmatizadas ao longo da história e que hoje contam com provas de potencial terapêutico é a coisa responsável a se fazer. Precisamos contar com o discernimento dos nossos parlamentares e dos nossos médicos para discutir de forma honesta temas tão caros para a sociedade como a saúde e a segurança das crianças. A evolução das políticas públicas bate à porta e a saúde não pode esperar.
* Viviane Sedola é empreendedora de impacto e fala sobre cannabis, tecnologia, startups, políticas públicas e o papel da mulher nesses espaços; Patrícia Villela Marino é presidente do Instituto Humanitas360 e conselheira do Instituto de Pesquisas Sociais e Econômicas da Cannabis; ambas fazem parte do “Conselhão” do governo Lula