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A nova família brasileira

Censo 2010 detalha a situação dos casais formados por pessoas divorciadas e dos lares em que os filhos são de apenas um dos cônjuges. Mudança na legislação facilitou separações e ajudou a ampliar o conceito de família

Por Pollyane Lima e Silva e Cecília Ritto, do Rio de Janeiro
17 out 2012, 10h03

“A configuração dos relacionamentos faz com que se amplie o conceito de família. Em tese, as crianças passam a ter mais gente cuidando delas”, diz a psicóloga Lulli Milman

Um novo recorte do Censo 2010, divulgado nesta quarta-feira pelo IBGE, mostra um retrato detalhado da família brasileira. O estudo confirma características observadas nos últimos anos, reflexo da mudança estrutural dos grupos familiares, da maior participação da mulher no mercado de trabalho, das baixas taxas de fecundidade e do envelhecimento da população. E detalha aspectos ainda não mensurados no país, como a maior disposição dos brasileiros para dar início a um novo relacionamento conjugal depois de uma (ou mais) experiências de vida a dois – resultado também da mudança na legislação no mesmo ano do estudo, o que tornou o divórcio algo possível com uma simples passagem pelo cartório.

A novidade que emerge do estudo vem da preocupação do IBGE de, pela primeira vez, analisar as famílias reconstituídas. Ou seja, “os núcleos constituídos depois da separação ou morte de um dos cônjuges”. Esses grupos representam 16,3% do total de casais que vivem com filhos, sendo eles de apenas um dos companheiros ou de ambos. São mais de 4,4 milhões as famílias com essas características atualmente – o restante, quase 84%, é formado por casais com filhos do marido e da mulher vivendo juntos no momento da entrevista.

A composição de casais com filhos ainda representa a maioria das famílias brasileiras, apesar da queda significativa nessa fatia da população: foi registrada redução de 63,6%, em 2000, para 54,9% em 2010.

O Censo também mostra que, apesar de os solteiros ainda responderem por mais de metade da população, 55,3%, entre as pessoas com 10 anos de idade ou mais, foi entre os divorciados o maior aumento observado de uma década para outra: o índice quase dobrou do levantamento feito em 2000 para o atual, passando de 1,7% para 3,1%. Se somados com o número de desquitados e separados judicialmente, esse grupo chega a quase 5% dos brasileiros. (Continue lendo a reportagem)

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A nova família brasileira
Arte Censo 2010 – Famílias (VEJA)

Felicidade – A mudança que se mostra acentuada na década entre 2000 e 2010 vem sendo construída ao longo da segunda metade do século XX, e está diretamente ligada ao conceito que se tem de felicidade. Fundadora do atendimento infantil no serviço de psicologia aplicada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a psicóloga Lulli Milman vê, no crescimento dos divórcios e na consequente elevação das famílias recompostas um sinal de que o matrimônio e a vida conjugal passaram a atender mais a objetivos pessoais que a formalidades.

“Ser feliz é algo relativamente novo. Antes, vivia-se para viver, para honrar o rei, a família. A mudança radical sobre isso, na história, veio com a Revolução Francesa. Nos anos 50, o casamento eterno era o ideal de felicidade. Hoje, ser feliz está ligado a satisfazer a si próprio”, diz Lulli. “A configuração dos relacionamentos faz com que se amplie o conceito de família. Em tese, as crianças passam a ter mais gente cuidando delas”, afirma Lulli.

Quando observados apenas os estados conjugais – sem a formalização civil das uniões – o aumento do número de divorciados é ainda maior. Do Censo anterior para este, houve um acréscimo de 20% no porcentual de pessoas envolvidas em dissoluções conjugais, passando de 11,9% para 14,6% em 2010. “Nos dias atuais, a união entre as pessoas ocorre de forma mais frequente a partir de escolhas afetivas”, ressalta o estudo. Daí, a liberdade em deixar um relacionamento infeliz.

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“A legislação facilitou muito o divórcio. Talvez houvesse antes muito casamento mantido pelos filhos. Hoje em dia, com a efetiva participação paterna, ficou mais fácil para o casal se separar, porque o pai e a mãe continuam a ter o contato com o filho”, diz o advogado Sérgio Arthur Calmon, especializado em direito de família.

O que a legislação estabelecia como condição para dissolução dos casamentos era um misto de satisfação perante a sociedade e desvio das condutas aceitáveis para um casal – mais do que a vontade de um ou ambos de não mais conviver como casal. Para se separar, era preciso, até antes da mudança na legislação ocorrida em 2010, imputar alguma conduta desonrosa ao outro. Algo como ter um amante, negligenciar o lar ou os filhos. “Há uma mudança grande tanto judicialmente quanto nas relações. Em um mês é possível se divorciar. Se antes era complicado, agora é esse processo é tão rápido que torna mais descartáveis as uniões formais”, afirma Calmon.

O casamento formal – seja no civil ou no religioso – é uma decisão econômica. E o Censo mostra como o índice de relações formais cresce à medida que se eleva a renda do extrato estudado: 48,9% das pessoas que ganham até meio salário mínimo vivem em união conjugal consensual, enquanto 64,2% do grupo que ganha mais de cinco salários prefere se casar no civil e no religioso.

Rio, capital das separações – O crescimento no índice de pessoas que já viveram em união conjugal e não viviam mais na época da pesquisa é generalizado em todas as regiões do país. De 2000 para 2010, o índice de pessoas que terminaram uma união conjugal subiu de 15,6% para 17,5% – o maior porcentual do país, cuja média geral é de 14,6%. Mas os maiores crescimentos porcentuais foram observados em Rondônia (33%) e no Mato Grosso (31%), onde ainda se mantêm uma tradição maior no que diz respeito ao casamento tradicional. “Uma das explicações possíveis desse crescimento, principalmente na Região Norte do país é a maior autonomia que as mulheres vêm conquistando, para colocar um fim em um relacionamento ruim, por exemplo”, explica o pesquisador Leonardo Queiroz Athias.

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Entre os estados, o Rio de Janeiro é o que aparece como o campeão das separações. Cosme Corrêa e Carla Lage moram juntos em Niterói há três anos. Antes disso, cada um foi casado com outra pessoa e tiveram filhos. Hoje, engrossam as estatísticas do IBGE sobre famílias reconstituídas. Carla chegou com um filho de 10 anos. Cosme com uma menina de cinco. Os dois têm guarda compartilhada, com alternância de dias. Nas segundas e quartas, as duas crianças estão na casa deles. O fim de semana é intercalado. “Há o fim de semana de sucrilhos e iogurte, com as crianças, e outro de queijos e vinhos. Temos o nosso tempo e o tempo das crianças”, diz Corrêa, que foi casado outras duas vezes. Hoje, as duas crianças, de relacionamentos passados de Carla e Correia, se tratam como irmãos. A família planeja uma viagem para a Disney no ano que vem. Os pais programam o casamento no papel.

Recomeço – O psicólogo Fernando dos Santos Baltazar, de 39 anos, compõe esse novo conjunto de famílias.. Ele se casou aos 20 anos com a primeira mulher, com quem teve três filhos. Depois de quase dez anos de relacionamento “e algumas experiências traumáticas”, veio a separação. Baltazar se manteve em São Paulo, ela se mudou com os filhos para Minas Gerais. Baltazar entrou na Justiça – e ainda briga – para ter o direito de visitá-los.

Dois anos depois do primeiro casamento, veio o momento de recomeçar. Baltazar se casou de novo, com Luíza, que trazia na bagagem também uma união conjugal desfeita, além de dois filhos, hoje com 20 e 18 anos. “Sempre fiz questão de exercer meu papel de pai. Ajudei a cuidar dos meus três filhos. Com enteados, a relação precisa ser um pouco diferente. Situações que você poderia resolver com uma chamada de atenção mais forte têm de ser tratadas de forma diferente”, recorda.

Baltazar e a atual esposa engrossam o índice de pessoas divorciadas que estão novamente em uma união conjugal: eles são 6,1% do total dos brasileiros, o único grupo que registrou aumento (de 1,6 ponto porcentual) do Censo de 2000 para 2010. “Isso reforça o aumento das uniões reconstituídas no país e da disposição das pessoas em iniciar novas relações”, enfatiza o pesquisador do IBGE Leonardo Queiroz Athias. Nesse mesmo período, o tipo de união que mais cresceu foi a consensual – oficializada ou não em cartório -, de 28,6% para 34,8%. Na análise do IBGE, esta é a confirmação de uma mudança de valores culturais em todo o país, pois torna as uniões não formalizadas mais aceitas pela sociedade.

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