No dia 7 de julho, após o presidente Jair Bolsonaro anunciar que estava com coronavírus, seu filho Renan, o Zero Quatro, comemorou a volta aos treinos numa academia de musculação em Brasília. No Instagram, o jovem de 22 anos postou uma foto em que aparece ao lado de seu sócio destacando a marca da unidade onde estava malhando. Não foi um gesto desinteressado. A publicação faz parte da carreira que o estudante de direito tenta fazer deslanchar. Desde que se mudou de Resende, no Rio de Janeiro, para a capital federal, Renan explora um trunfo valioso: seu sobrenome, que usa para atrair patrocinadores interessados em associar as suas marcas à família do presidente. A aposta está dando certo, e não faltam oportunidades de negócio. Renan, no entanto, quer dar um passo adiante. Seu projeto agora é se transformar num youtuber profissional, carreira que, se bem-sucedida, garante curtidas quase na mesma velocidade em que angaria cifras milionárias. A ideia é gravar vídeos do seu dia a dia para ganhar dinheiro.
Para tirar esse projeto do papel, Renan decidiu alugar um camarote no Estádio Mané Garrincha, que deverá se transformar em seu escritório e também num estúdio de gravação. O contrato foi fechado a um preço promocional com a Arena Bsb, concessionária responsável pela administração do espaço. O presidente da Arena Bsb, Richard Dubois, conta com a simpatia de Bolsonaro, principalmente por ter um plano de trazer para Brasília jogos de clubes cariocas e realizar eventos evangélicos. “Ter formadores de opinião em nossos espaços faz todo o sentido para o nosso negócio”, diz Dubois, que não revela o valor do negócio com Renan. O jovem estudante, que está desempregado, tem como sócio Allan Lucena, seu ex-personal trainer e servidor da Secretaria de Esporte e Lazer do governo do Distrito Federal. “O trabalho do Renan vai ser basicamente divulgação de marcas para ele poder se sustentar, porque a gente não tem apoio financeiro nenhum. A gente está correndo atrás de tudo”, conta Lucena, que também exerce a função de assessor de imprensa do filho do presidente.
Foi justamente o sócio quem incentivou Renan, há pouco mais de um ano, a fechar parcerias com marcas de produtos de nutrição. Em troca de publicações em seu Instagram com o nome da loja, ele ganhava suplementos e outros itens. O leque de clientes logo se expandiu. No desfile de 7 de setembro do ano passado, Renan queria um terno novo para participar do evento. Após visitar um alfaiate e divulgá-lo em suas redes sociais, ganhou duas peças, uma azul e outra preta, com corte inglês e tecido italiano, confeccionadas sob medida. Para pessoas comuns, o preço total seria de ao menos 8 000 reais. “Ele é filho do presidente e tem muitos seguidores nas redes sociais. Isso ajuda na divulgação do meu trabalho”, afirma o alfaiate Leonardo Carvalho. Menos conhecido entre os irmãos Bolsonaro, Zero Quatro tem um séquito de 242 000 seguidores no Instagram, 7% do total do Zero Três, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, 11% do total do Zero Dois, o vereador Carlos Bolsonaro, e 10% do Zero Um, o senador Flávio Bolsonaro.
Nem todo mundo fica satisfeito com o resultado da divulgação. “Não deu muito retorno, não”, confessa o empresário Gustavo Torres, dono do spa Shiloah Float, que abriu gratuitamente a Renan as portas de um tanque aquático de flutuação, inspirado no Mar Morto e que tem como adepto nos Estados Unidos o jogador de futebol americano Tom Brady. O custo da sessão é de 110 reais. A ideia de Renan agora é ganhar não só bermudas, jantares em restaurantes, roupa social, produtos de academia, consultas com nutricionistas, mas também dinheiro para se sustentar em Brasília. Filho de Ana Cristina Siqueira Valle, uma das ex-mulheres de Bolsonaro, o Zero Quatro mora atualmente em um apartamento do presidente em Brasília. Diferentemente dos seus irmãos, ele não tem tanta proximidade com o pai nem experiência política. Enquanto Bolsonaro for presidente do país, Renan, embora admita a hipótese, não pode concorrer a um mandato público, porque a lei não permite. Até por isso, sua dedicação tem sido à vida empresarial.
Um de seus projetos é a realização de uma partida de futebol entre youtubers famosos, cantores e ex-jogadores, que poderá ocorrer no Estádio Mané Garrincha. Ele planeja utilizar o evento para mostrar o seu cartão de visita, aumentar o número de seguidores e reverter a verba arrecadada para instituições de caridade. Para transmitir o jogo, sonha com a Record TV, simpática ao governo de seu pai. Além do sobrenome, a polêmica pode ser decisiva no sucesso empresarial do filho do presidente. Há alguns meses, Renan foi banido de uma rede social após dizer que preferia “morrer transando que tossindo”. Em seu WhatsApp, ele destaca a seguinte frase: “A missão de perdoar bandido pertence a Deus… Nossa missão é promover o encontro!!!”. Esse tipo de manifestação rendeu milhões de votos a Bolsonaro. O filho, por enquanto, está em busca apenas de cliques.
Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696