Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
Continua após publicidade

Proposta brasileira para Biden é uma cascata amazônica

Ricardo Salles quer dinheiro antecipado para proteger florestas

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 abr 2021, 18h05 - Publicado em 7 abr 2021, 14h06

Em 1979, quando era um promissor senador da poderosa Comissão de Relações Exteriores dos EUA, Joe Biden foi enviado a Moscou para uma reunião sobre as complexas negociações de desarmamento nuclear com a União Soviética. Depois de ouvir o primeiro-ministro soviético Alexei Kossygin falar sobre as pacíficas intenções do programa espacial da URSS, Biden retrucou para surpresa de todos e constrangimento do intérprete:

“Eu sou de Delaware e lá existe um ditado: você não pode cascatear um cascateiro (em inglês, you can’t shit a shitter)”. Esse tipo de sinceridade era típico do jovem Biden, uma forma tentar tirar as negociações das frases feitas para a prática.

Mais de 40 anos depois, o cascateiro Biden é o presidente dos Estados Unidos e organiza no próximo dia 22 um fórum com 40 líderes mundiais para lançar um programa global de redução de danos ambientais. O encontro será virtual e a primeira oportunidade na qual Biden poderá se dirigir a Jair Bolsonaro, um dos últimos chefes de governo a reconhecer a sua vitória e que por meses propagou teorias de fraudes nas eleições americanas.

Na campanha, Biden anunciou que se eleito formaria um fundo global de US$ 20 bilhões para preservar a Amazônia. Logo depois da sua posse, uma força-tarefa liderada pelo secretário John Kerry contatou todos os países amazônicos para rascunhar um acordo a ser anunciado na reunião do dia 22.

Continua após a publicidade

A proposta do Brasil é uma cascata de proporções amazônicas. Em entrevista ao Estadão, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se colocou como um sequestrador que exige um resgate sobre um refém: “Se tivermos US$ 1 bilhão para colocar a partir de 1º de maio nos comprometermos a reduzir (o desmatamento) de 30% a 40% em 12 meses. Se não tiver o dinheiro, vamos fazer com as nossas expensas o máximo que conseguirmos, mas aí não posso me comprometer com porcentuais”, afirmou, em entrevista à repórter Giovana Girardi.

A entrevista caiu mal entre os negociadores americanos. Sem oferecer nenhuma garantia, Salles adiantou que pretende gastar a maior parte do dinheiro equipando a Força Nacional, o batalhão formado por policiais militares. Isso depois ter desmontando a estrutura de fiscalização do Ibama e de bater de frente com a Polícia Federal por defender interesses de madeireiros e garimpeiros.

A sugestão de que os EUA vão primeiro dar dinheiro a Salles para depois esperar resultados é tão estapafúrdia que espantou o vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho da Amazônia. “Não acredito que Biden vá soltar dinheiro para o Brasil agora”, disse à repórter Maria Cristina Fernandes, do Valor. Segundo Mourão, qualquer quantia só será liberada depois de julho, quando saem os dados do Prodes, o monitoramento do desmatamento da floresta amazônica por satélite realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os dois últimos relatórios do Prodes mostram que, sob a gestão Bolsonaro, o desmatamento e os incêndios na Amazônia perderam controle. Em apenas dois anos, o país perdeu o equivalente em floresta ao território de Israel – os piores resultados da década.

Continua após a publicidade

Para a diplomacia americana, a oferta do pacote bilionário de proteção à Amazônia seria um jogo de ganha-ganha. O Brasil capta recursos para reequipar sua fiscalização, promove projetos sustentáveis para as populações locais e preserva as florestas. Os Estados Unidos ganham uma enorme oportunidade de relações públicas depois de anos como o vilão ambiental mundial. O problema é que os americanos não entendem o governo Bolsonaro.

Mal informada, a equipe americana imaginava que Salles seria derrubado dentro da reforma ministerial que tirou Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores. Ledo engano. Salles é o mais nefasto ministro do meio ambiente da história, mas é apenas um cumpridor de ordens.

O maior erro que o time de Biden pode fazer em relação ao governo Bolsonaro é supor que o desmatamento na Amazônia é um acidente. Não é. É um projeto. O governo brasileiro não quer nenhum dinheiro que implique em cobranças de metas de redução de desmatamento e queimadas. Isso poderia “afetar a soberania nacional”, tão cara no discurso bolsonarista, além de prejudicar os interesses dos eleitores do agro. A política antiambiental é popular na base bolsonarista no agro e os melhores índices de popularidade do governo estão nas regiões rurais das regiões Norte e Centro-Oeste. Tendo de escolher entre seus eleitores mais fiéis e uma foto simpática com o presidente dos EUA, Bolsonaro não terá dúvidas.

Continua após a publicidade

Bolsonaro e Salles não vão mudar. A dúvida é vão conseguir cascatear um velho cascateiro.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.