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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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O “liberal fascism” do companheiro Barack Obama. Ou: O Apedeuta ilustrado dos americanos também tem seus aloprados

O governo do companheiro Barack Obama foi pego no pulo em dois casos gravíssimos de ataque a valores fundamentais da democracia — especialmente da democracia americana. Órgãos de estado, como a Internal Revenue Service (IRS, o equivalente da nossa Receita Federal), foram flagrados numa operação escandalosa de perseguição política. Os alvos: as entidades conservadoras ligadas […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h13 - Publicado em 18 Maio 2013, 08h21

O governo do companheiro Barack Obama foi pego no pulo em dois casos gravíssimos de ataque a valores fundamentais da democracia — especialmente da democracia americana. Órgãos de estado, como a Internal Revenue Service (IRS, o equivalente da nossa Receita Federal), foram flagrados numa operação escandalosa de perseguição política. Os alvos: as entidades conservadoras ligadas ao Partido Republicano, especialmente aquelas mais próximas do Tea Party, a ala mais à direita do partido. O escândalo já derrubou Steven Muller, chefe do IRS. Mas pode e deve arrastar mais gente. E como se dava essa perseguição?

Entidades de apoio aos republicanos, que solicitavam ao Fisco isenção de impostos (na legislação americana, isso é permitido), passavam por avaliação especial e por critérios bem mais severos do que aqueles aplicados para analisar os pedidos de congêneres democratas. O IRS não foi a única agência a incomodar os conservadores com regras excepcionais. Leiam trecho de texto publicado na VEJA.com (em azul). Escandalizem-se. Volto em seguida.

Para complicar a vida de organizações contrárias à reeleição do presidente, os fiscais as submetiam a questionamentos absurdos. Em Iowa, por exemplo, um grupo contrário ao aborto foi instado a detalhar “o conteúdo de suas orações”. Em Ohio, a Receita levou apenas 34 dias para processar as informações da fundação Barack H. Obama, enquanto a documentação de grupos conservadores ficou retida por mais de um ano nessa peculiar malha-fina. No Texas, a perseguição não se limitou ao Fisco. Uma organização que conta com simpatizantes do Tea Party, a ala mais conservadora do Partido Republicano, foi alvo tanto do IRS como das agências de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo (ATF), Saúde e Segurança Ocupacional (OSHA) e até do FBI, a polícia federal americana.

E será que os braços-direitos de Obama sabiam de tudo? Narra o texto de VEJA.com:
A cúpula do governo de Barack Obama foi informada em junho do ano passado, a cinco meses da eleição presidencial, de que havia uma investigação em andamento sobre a perseguição do Fisco americano a grupos conservadores que solicitaram isenção de impostos. A revelação foi feita nesta sexta-feira por J. Russell George, inspetor-geral do Tesouro americano para a administração de impostos. Em uma audiência no Congresso, ele disse ter informado o secretário-adjunto do Tesouro, Neal Wolin, sobre a investigação, mas não sobre seus resultados. Wolin, número dois do Tesouro, nomeado por Obama, deverá testemunhar na próxima semana no Congresso.

Retomo
Obama, o ilustrado, a exemplo de nosso Apedeuta, diz que não sabia de nada e promete apuração rigorosa. Pois é… Você sabem que não gosto do discurso do presidente americano e da forma como ele entende e opera a política. Infelizmente para mim — que fico quase sem companhia nesse particular —, onde muitos veem a expressão da modernidade e do progressismo, eu vejo manifestação de atraso. Considero o discurso de Obama, com alguma frequência, perigosamente próximo do de alguns demagogos da América Latina (já volto a esse ponto).

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No que concerne à questão criminal, é importante, claro!, saber se Obama tinha ou não conhecimento da perseguição. Caso se evidencie que sim, ele pode até — e não há exagero nenhum nisto — perder o mandato. Mas há também a questão política. E, nesse caso, não há como escapar: ainda que Obama não conhecesse detalhes da operação, há um clima político no seu governo que convida os aloprados à ação. Volto-me um pouco ao título deste post.

Fascismo de esquerda
“Liberal fascism” é o nome de um livro publicado pelo jornalista americano Jonah Golberg, traduzido no Brasil com o nome de “Fascismo de Esquerda”, publicado pela Editora Record. Goldberg demonstra com riqueza de exemplos e de evidências como os “liberais americanos” (a esquerda possível por lá) recorrem a táticas e valores do fascismo para calar os adversários. O livro foi publicado em 2007, pouco antes da primeira eleição de Obama. Dou um pulinho no Brasil.

Escrevi ontem aqui post sobre o que chamo de microfascismos em curso no Brasil, praticados por minorais que não querem vencer o adversário, mas eliminá-lo da batalha por intermédio da desqualificação pura e simples e da cassação da sua palavra. Esses grupos, hoje em dia, no Brasil ou nos EUA, atuam em parceria com organismos do estado. Vejam a verdadeira perseguição que a Funai empreende aos produtores rurais. Um organismo de estado, em parceria com a Secretaria-Geral da Presidência, incentiva invasões de propriedade e joga a legalidade no lixo. Por quê? Ora, porque eles estão convictos de que estão do lado do bem. E, em nome do bem, tudo é permitido.

É claro que há diferenças de história, de estilo e, em muitos casos, de valores entre a gestão democrata de Barack Obama e a do petismo no Brasil. Mas há semelhanças inegáveis: nos dois casos, os respectivos governos se entendem como aglutinadores de vanguardas que apelam à engenharia social (ou reengenharia) para civilizar os brutos e promover a felicidade geral. Obama, não custa lembrar, recorreu invariavelmente à imprensa e às redes sociais sempre que teve um embate com os republicanos. E, mais de uma vez, ele não os tratou como adversários políticos que têm direito a uma voz, mas como sabotadores da República e expressão do atraso. E a sua versão correu o mundo. Na imprensa e no colunismo brasileiros, por exemplo, o Tea Party é tratado como uma súcia de reacionários, que pretendem levar os EUA à Idade das Trevas. Até críticos do lulo-petismo caem nessa conversa: cobram uma oposição mais ativa aqui, mas criminalizam os adversários do Demiurgo nos EUA.

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O que estou querendo dizer, meus caros, é que, soubesse Obama ou não o que faziam os aloprados do governo americano, uma coisa é certa: eles respiram um ambiente que lhes diz que aquilo está certo. Eles respiram um ambiente que lhes diz que o adversário é um inimigo que restou de um passado que tem de ser superado; eles respiram um ambiente que aplica à política uma espécie de linha evolutiva que vê no adversário apenas a expressão de uma obsolescência. E parte da imprensa americana também lhes disse que, contra os reacionários republicanos, tudo era permitido.

A imprensa ajudou
No dia 8 de novembro do ano passado, escrevei aqui um artigo sobre a reeleição de Obama e as críticas que se fizeram ao Partido Republicano. Apontava, no texto, justamente a tendência de demonização da divergência, como se não fosse ela a definir a democracia. Reproduzo trecho em azul.
*
Os valores democráticos, ao menos como os conhecemos, estão em declínio. E, se a democracia já não é mais como a conhecemos, então democracia não é, mas outra coisa, ainda a ser definida.
(…)
Os republicanos perderam a eleição. E daí? Atribui-se a derrota — como se ela tivesse sido vexaminosa, submetendo o partido ao ridículo, o que é uma piada — a suas convicções, que seriam ultrapassadas, conservadoras, reacionárias. Escolham entre esses e outros adjetivos aquele que lhes parecer mais depreciativo. Mas é isso o que dizem, afinal de contas, os fatos???

Mitt Romney teve seu nome sufragado por 48,1% daqueles que foram votar, contra 50,4% de Obama. Não foi pequeno o risco de se ter, mais uma vez, um presidente vitorioso nas urnas que, não obstante, perde no colégio eleitoral. A regra, nos EUA, é o presidente conquistar a reeleição, não o contrário. A excepcionalidade de Obama, havendo uma, está em tê-lo conseguido com uma das mais baixas margens da história — apenas 2,3 pontos de vantagem. Do primeiro ano do século 20 até agora (incluindo-se o segundo mandato do atual presidente), os republicanos foram governo por 15 mandatos; os democratas, por 14. Considerado só o século passado, o placar é de 13 a 12 a favor dos primeiros. Neste século, chegarão ao empate: dois a dois. Os democratas ficaram 20 anos no poder (de 1933 a 1952). Seus líderes chegaram a namorar com tentações fascistoides, mas o regime democrático acabou triunfando. Nas eleições deste ano, não custa lembrar, os republicanos mantiveram o controle da Câmara.

Por que, afinal, analistas de lá — dos EUA — e daqui insistem em apontar o que seria uma derrota histórica do partido (???), havendo mesmo quem anteveja, santo Deus!, até a sua extinção?

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Vamos lá
Embora Obama tenha sido eleito e reeleito segundo as regras vigentes na democracia americana, é visto, por deslumbrados de lá e daqui, não como um procurador daqueles valores, mas como um seu reformador. Em certa medida, algo análogo acontece, no Brasil, com o lulo-petismo. Como a “igualdade e o bem-estar social” (aquilo que a China também promove…) tomaram o lugar da liberdade como valor essencial da democracia, e como o presidente é visto como a encarnação desses valores, opor-se a ele fugiria da esfera da luta democrática. Os republicanos, assim, não seriam representantes de uma parcela da população americana — simbolicamente, nesta eleição, a metade! — que discorda de suas medidas, de suas políticas, de suas escolhas! Nada disso! Seriam apenas porta-vozes do atraso, sabotadores, defensores de privilégios, insensíveis sociais que não estariam atentos ao novo momento.

Se os EUA se fizeram (e até Obama lembrou isso no discurso da vitória) articulando suas diferenças e divergências — e falamos de um povo que fez uma das guerras civis mais cruentas da história —, esse momento da democracia vigiado por minorias militantes, por alcaides do pensamento e por censores bem-intencionados excomunga o contraditório. À oposição, assim, não cabe nem mesmo o papel de vigiar as escolhas de Obama — muito menos de recusá-las. A ela estaria reservado o silêncio obsequioso, já que o mandato deste presidente não viria apenas das urnas, mas também dessa espécie de encarnação de utopias coletivas e igualitárias.

A VEJA.com publicou ontem uma boa síntese do que escreveram sobre o resultado das eleições alguns jornais americanos. O Wall Street Journal vislumbra severas dificuldades para os republicanos (com, reitero, 48,1% dos votos totais!!!) porque o partido teria sido escolhido, principalmente, pela população branca e mais velha — que está em declínio. Poderia ter incluído também “os homens”. Assim, este seria o retrato da “reação” na América: macho, branco e coroa. Newt Gingrich, derrotado por Romney nas primárias, não perde a chance de embarcar no equívoco. Afirmou que seu partido enfrenta um “grande desafio institucional”: descobrir como se conectar com os eleitores das minorias que compõem uma parcela cada vez maior da sociedade americana. “O Partido Republicano simplesmente tem de aprender a parecer mais inclusivo para as minorias, particularmente hispânicos.” Repete, mais ou menos, o juízo asnal de alguns tucanos no Brasil, que estão convictos de que o PSDB deve disputar o eleitorado cativo do PT… “Ah, mas um dia os brancos serão minoria, e aí…” Bem, é preciso ver se os descendentes dos latinos, em 20 ou 30 anos, continuarão seduzidos pela pauta democrata, não é?

Os republicanos construíram, eis a verdade, uma alternativa real de poder — refiro-me à questão política; no conteúdo, os dois candidatos foram sofríveis, especialmente nos temas internos. E o fizeram, no que concerne aos valores, sendo quem são. Os números e a história demonstram que a virtude da democracia americana, ao contrário do que tenho ouvido por aí, está justamente na polarização. “Mas os republicanos quase levam os EUA ao calote, Reinaldo!” Não! Os republicanos se utilizaram de uma garantia constitucional para não permitir que o Executivo impusesse a sua vontade. Obama foi obrigado a negociar, e eis aí o homem reeleito.

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O New York Times (aquele jornal que aceita anúncio conclamando católicos a deixar de ser católicos, mas recusa o que conclama muçulmanos a abandonar a sua religião) foi mais longe. Viu na reeleição de Obama “um repúdio à era Reagan” no que diz respeito ao corte exagerado dos impostos e às políticas de “intolerância, medo e desinformação”. Uau! É um triplo salto carpado dialético e tanto, não sei se já sob a influência de Mark Thompson, ex-chefão da BBC e contratado para ser o chefão do jornal americano. Na empresa britânica, ele se tornou célebre por declarar que, por lá, permitia-se zombar de Jesus, mas não de Maomé. Evoco essas questões laterais porque elas compõem a metafísica de um tempo. Então vamos ver. Talvez eu não tenha entendido direito o “raciossímio” do Times. Em 1980, Reagan venceu Carter em 44 estados — o democrata ficou com apenas 6 (50,7% dos votos a 41%). No Colégio, o placar foi de 489 a 49. E Carter era presidente! Em 1984, o republicano foi reeleito de forma humilhante para os democratas: sagrou-se vitorioso em 49 estados (58,8% a 40,6%). Deixou apenas um para o adversário; no colégio, 525 a 13! O presidente fez o seu sucessor, Bush pai, que triunfou em 40 estados (426 a 111): 53,37% a 45,65%. Não obstante, a era Reagan teria sido repudiada agora, e a evidência estaria na vitória de Obama em apenas 26 estados (contra 24 do adversário), por um placar com 2,3 pontos de diferença. Clinton venceu em 33 estados na primeira eleição (1992) e em 32 na segunda (1996). E manteve os fundamentos da economia da era Reagan. Eis a verdade traduzida em números da afirmação feita pelo jornal.

Que fique claro!
A mim me importam menos as respectivas pautas de cada candidato do que essa cultura de aversão à democracia que vai se espalhando. E que, por óbvio, não nos é estranha. Também entre nós o exercício da oposição, agora que “progressistas” estão no poder, vai se tornando algo malvisto, mero exercício de sabotagem e de oposição àqueles que seriam os interesses do povo. Dou um exemplo evidente: as cotas raciais foram impostas às universidades federais sem nem mesmo debate no Parlamento. A simples crítica à medida é apontada como ódio aos pobres, às minorias, aos oprimidos — todas aquelas tolices fantasiosas que compõem o estoque de agressões dos autoritários.

Os republicanos? Ah, eles tiveram a coragem de enfrentar o tal “Obamacare”, o que parecia, à primeira vista, suicídio político e, mais uma vez, obrigaram o governo a negociar. E sabem por que o fizeram? Porque tinham mandato de seus eleitores para fazê-lo. E agiram dentro das regras estabelecidas pela democracia americana. “Ah, mas olhe aí o resultado!” Sim, olho e vejo um partido que era uma real alternativa de poder. E só o era — e como as emissoras de TV suaram frio desta vez, não é? — porque, em vez de aderir à pauta do adversário — que, afinal, do adversário é —, fez a sua própria ao longo dos quatro anos de mandato de Obama.

Reitero: não entro no mérito; talvez, nos EUA, eu apoiasse o plano de saúde de Obama. O ponto não é esse: estou advogando o direito que tem a oposição de ser contra ele. Se é por bons ou por maus motivos, isso o processo político evidencia. Chega a espantoso que muitos cobrem da oposição brasileira coragem para enfrentar o PT, mas adiram alegremente à satanização dos republicanos porque estes fazem lá — reitero: não estou tratando de conteúdo — o que a oposição brasileira não aprendeu a fazer aqui.

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Fala-se, finalmente, de um país dividido. É? Melhor do que outro em que um partido, com pretensões hegemônicas, recorre a expedientes criminosos para eliminar a oposição. Os “decadentes” republicanos terão, por exemplo, o domínio da Câmara. Não existem PMDB e PSD nos EUA, aqueles que não são “nem de esquerda, nem de direita, nem de centro”. Os derrotados do dia anterior não são os vitoriosos do dia seguinte — ou, para ficar na espécie (como diria Marco Aurélio), derrotados e vitoriosos num mesmo dia… O que se chama um “país rachado” é um país que reconhece, ainda!!!, instituições por meio das quais se articulam essas divergências.

O valor exclusivo da democracia é a liberdade. E a característica exclusiva da liberdade é poder dizer “não”.

Volto a hoje e encerro
O governo Obama tentou, isto é inegável, usar o aparato do estado para intimidar a oposição. Estivesse no poder um presidente “reacionário”, a imprensa liberal americana estaria pedindo a sua cabeça. Como se trata de Obama, já há artigos na imprensa americana afirmando que os republicanos estão querendo se aproveitar do episódio para fazer política. Como se a perseguição que estava em curso não fosse um caso de política — e de polícia!

Texto publicado originalmente às 5h55
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