Quando o excesso de esperteza engole o esperto
Quem matou e quem mandou matar Marielle? Onde está o porteiro?
O presidente Jair Bolsonaro poderia ter abortado a reportagem do Jornal Nacional sobre seu suposto envolvimento no caso da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) – mas não quis.
Avisado no dia 9 de outubro pelo governador Wilson Witzel de que seu nome fora citado pelo porteiro do condomínio onde morava, Bolsonaro tratou de se informar exaustivamente à respeito.
Teve tempo suficiente para isso. A reportagem do Jornal Nacional foi ao ar 21 dias depois. Quando foi, Bolsonaro sabia que o porteiro seria acusado de ter mentido pelo Ministério Público do Rio.
Não só sabia: conversara sobre isso com os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O que ele poderia ter feito para abortar a reportagem?
Simples: bastava que seu advogado informasse à TV Globo que o porteiro não telefonara para sua casa, mas para a casa de Ronny Lessa, um dos assassinos de Marielle.
No mínimo, como mais de um assessor de Bolsonaro sugeriu que ele fizesse, o Jornal Nacional procuraria checar se a informação do advogado procedia. Se procedesse, a história seria outra.
Ou a reportagem não iria ao ar ou iria contando o que o porteiro contara à polícia, mas acrescentando que ele se engara ou mentira. Bolsonaro preferiu seguir outro caminho.
Não interveio para dar um novo rumo à reportagem. Apostou que só teria a ganhar desmentindo o Jornal Nacional em seguida e dizendo sobre a Globo o que disse para satisfação dos seus devotos.
Ocorre que a versão da história avalizada pelo Ministério Público do Rio está cheia de buracos. O pior deles o fato de que não se fez perícia no computador da portaria do condomínio.
No livro de visitas ao condomínio consta uma anotação feita à mão pelo porteiro sobre o número da casa que o parceiro de Lessa no crime queria visitar – a de Bolsonaro.
No computador da portaria consta que a casa que o parceiro de Lessa pediu para visitar foi outra – a do próprio Lessa. Foi Carlos Bolsonaro, ao manusear o computador, que diz ter descoberto isso.
Uma planilha de computador é perfeitamente manipulável. Você tira e põe dentro dela o que quiser. Mas todas as mudanças ficam registradas. É fácil identificá-las.
A perícia do Ministério Público foi pedida às 13 horas da última quarta-feira e ficou pronta em torno das 15 horas. Limitou-se a comparar gravações da voz de Lessa. Foi uma porcaria de trabalho.
A promotora que anunciou que o porteiro mentira é bolsonarista de raiz com orgulho. Há fotos dela nas redes sociais vestindo uma camiseta de campanha de Bolsonaro.
Há muito ainda a ser esclarecido. Certas perguntas permanecem de pé: Quem matou Marielle e quem mandou matar? O porteiro mentiu, enganou-se ou disse a verdade? Onde está o porteiro?