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Por Vilma Gryzinski
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Israel errou na reação pesada à lei polonesa sobre crimes nazistas

Fazer uma lei para “proteger a reputação” nacional é desnecessário ou até tolo, mas pior foram os exageros e mentiras sobre intenção da Polônia

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 fev 2018, 11h01 - Publicado em 4 fev 2018, 11h01

Nada no mundo é mais perigoso do que a ignorância sincera (mais adiante veremos o autor dessa frase lapidar).

E muitas manifestações de ignorância sincera foram dadas por causa de um projeto de lei aprovado pelo Congresso da Polônia que criminaliza o uso da expressão “campos de extermínio poloneses” para descrever as abominações praticadas pela Alemanha nazista no país invadido, ocupado e dissolvido, como instituição nacional, durante a II Guerra Mundial.

Em português, o erro seria dizer “campos de extermínio da Polônia” em lugar de “na Polônia”, dando a entender que o país teve algum tipo de responsabilidade por ter sido transformado pelos no marco zero da solução final, a política nazista de eliminação dos judeus europeus.

O projeto também penaliza quem acusa “a nação polonesa ou a República da Polônia de ser responsável ou co-responsável pelos crimes cometidos pelo Terceiro Reich alemão”.

Erroneamente, personalidades políticas importantes de Israel atacaram o projeto como uma tentativa de “negar o Holocausto”, nas palavras do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

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Yair Lapid, um potencial sucessor de Netanyahu, líder do partido Yesh Atid, foi muito além na maluquice histórica. Disse que a Polônia “foi cúmplice no Holocausto” e que “centenas de milhares de judeus foram mortos em seu território sem nunca ter cruzado com nenhum soldado alemão”.

São duas mentiras espantosas. É atenuante o fato monstruoso de que a avó de Lapid tenha sido “assassinada na Polônia por alemães e poloneses”?

Jornalista de televisão muito conhecido antes de entrar para a política, Lapid tem a responsabilidade exigida pela antiga profissão, e multiplicada pela atual, de não propagar deliberadamente informações erradas.

O pai dele, Tommy Lapid, também jornalista e político, conseguiu se salvar do gueto de Budapeste e foi da direção do Yad Vashem.

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O museu do Holocausto, uma via dolorosamente ilustrada sobre o genocídio dos judeus, criticou o projeto de lei, mas teve a honestidade básica de não endossar a história paralela inventada por Lapid.

É histórico e indiscutível que poloneses católicos entregaram, venderam ou até chacinaram poloneses judeus, inclusive depois da guerra.

As motivações abrangem toda a gama que vai da ganância ao anti-semitismo virulento, passando pela autopreservação nas circunstâncias quase inimagináveis da Polônia sob ocupação nazista.

Qualquer cálculo é praticamente impossível. O grão-rabino da Polônia, Michael Schudrich, fala em cerca de 2 500 judeus vitimados por poloneses. O historiador Efraim Zuroff, estudioso do Holocausto, acredita num número maior, de “muitos milhares”.

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“Mas as instituições de estado não foram integradas à máquina nazista de genocídio e nisso a Polônia foi uma exceção a muitos outros países europeus sob ocupação nazista”, disse ele ao Telegraph.

Aliás, o próprio estado polonês deixou de existir. Uma parte do país foi anexada à Alemanha e outra passou à administração direta do regime nazista.

Outra, ainda, foi invadida pela União Soviética, um motivo adicional de complicação ao disseminar a ideia do “judeu comunista”, cinicamente manipulada durante o stalinismo

Único país em que o número de vítimas entre judeus e não-judeus foi igual – cerca de três milhões para cada categoria -, a Polônia também passou de maior população judaica no pré-Guerra, cerca de 13% do total, a poucas dezenas de milhares.

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Israel, desde o início do sionismo, foi em muitos sentidos um país criado por judeus poloneses, o que facilita e ao mesmo tempo complica a relação. Muitos sobreviventes dos genocídio transmitiram histórias de perseguição e martírio sofridos na Polônia.

Um exemplo das complicações foi dado por Naftali Bennett, líder do partido ultranacionalista Lar dos Judeus, integrante da atual coalizão de governo.

Ele próprio descendente de judeus poloneses, Bennett contou que familiares da mulher dele foram escondidos por poloneses católicos – e traídos por outros, que os entregaram aos alemães.

É possível criticar o projeto de lei polonês por inutilidade, falta de visão e até uma não declarada ambição de pretender que todos os poloneses tiveram conduta heróica durante a guerra. Uma versão falta e desnecessária justamente num país onde não faltaram heróis (na foto acima, crianças judias retiradas em segredo do gueto de Varsóvia pela resistência polonesa).

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Apresentado em simplificações apressadas ou mal informadas, o projeto ficou parecendo pior ainda ao provocar uma discussão sobre um colaboracionismo que muitos sequer sabiam ter existido.

Também despertou os malditos fantasmas de sempre a ponto de um comentarista polonês ter “sugerido” que os campos de extermínio passassem a ser chamados de judeus, uma vez que o eram os que operavam muitas etapas da máquina industrial de morte – desde o conselho dos guetos até os prisioneiros miseravelmente obrigados a incinerar os mortos.

O projeto, na verdade, foi concebido como mais uma frente de confronto com a Alemanha, que pressiona o atual governo polonês por se recusar a aceitar uma quota definida pela União Europeia de imigrantes procedentes de países muçulmanos.

As reações negativas levaram o mais importante líder político da Polônia, Jaroslaw Kaczynski, a sair do silêncio habitual. O projeto de lei “está sendo interpretado de maneira totalmente errada”, disse.

A penalização, com multas e prisão, é “dirigida a quem acusar a Polônia como nação” , não contra “alguém que diz que em algum lugar, em algum vilarejo, uma família judia foi assassinada”.

“Digo isso com dor, pesar e vergonha, mas estas coisas aconteceram e nós nunca negamos isso.”

O governo do Partido da Liberdade e Justiça é católico conservador, nacionalista e detestado pelo espectro político à esquerda. Não seria muito difícil que se entendesse com Netanyahu, apesar dos muitos ignorantes sinceros que afloraram de todos os lados da questão.

A frase sobre os perigos do bem intencionados com baixa informação é de Martin Luther King, que entendia alguma coisa do assunto.

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