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A beleza condenada: cabelos enfurecem religiosos muçulmanos

Perseguição a iranianas de cabeleira à mostra indica obsessão por controlar e subjugar o sexo feminino

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 5 dez 2016, 11h20 - Publicado em 23 Maio 2016, 16h22
Injustiça revolucionária: a modelo Elham Arab desmonta a produção e presta depoimento

Injustiça revolucionária: a modelo Elham Arab desmonta a produção e presta depoimento

Todos os sinais exteriores de beleza, segundo o padrão exagerado vigente, estavam ocultos quando a modelo Elham Arab sentou-se no banco das rés. Foram-se o cabelo loiro, a maquiagem de teor industrial, o sorriso de dentes brancos como mil sóis, as lentes de contato para clarear os olhos, os vestidos de noiva decotados com que ela costumava posar. As imagens eram postadas no Instagram para promover maquiadores e estúdios fotográficos.

Ficaram os atributos aperfeiçoados: nariz afilado no bisturi, lábios inflados, sobrancelhas poderosas. Elham continuou bonita, talvez até mais sem tanta maquiagem, mas estava triste. Em tom contrito, disse: “Todas as pessoas amam a beleza e a fama. Elas querem ser vistas, mas é importante saber que preço pagarão por isso.”

Ela já estava pagando um preço absurdamente injusto. Foi uma das oito modelos presas por aparecerem em fotos no Instagram sem a blindagem exigida às mulheres pelos líderes xiitas. Um camisolão preto sobre roupas soltas e o chador, um lenço preto enorme e grosso, preso no queixo de forma a não deixar aparecer nem um fio de cabelo.

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Muitas iranianas tentam o tempo todo contornar a rigidez das regras, impostas quando houve uma rebelião comandada pelos religiosos, no topo dos quais estava o aiatolá Khomeini, que derrubou o regime monarquista, em 1979. Durante seu reinado, o xá Reza Pahlavi seguiu a política de modernização de seu pai, um sargento que subiu na carreira militar e se instalou no poder com o título imperial da antiga Pérsia.

Como na Turquia, a roupagem tradicional das mulheres devotas, com lenço na cabeça, foi proibida – uma intervenção hoje vista como igualmente absurda. Quando o regime dos aiatolás ascendeu, as exigências religiosas foram restauradas com rigor nunca visto. Khomeini insistia que o chador era mais importante do que todas as armas do país, juntas.

Abolhassan Banisadr, o primeiro presidente do novo regime, apoiado por esquerdas de todo o mundo como a face moderna da teocracia, chegou a dizer que os cabelos femininos emitem vibrações perigosas, que afetam negativamente os homens, coitadinhos, expostos inocentemente a um risco tão grande.

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O poder simbólico dos cabelos, como atributo feminino mais visível, é enorme. Quanto mais longos e atrativos, mais representam tudo o que distingue a mulher do homem, incluindo a maior de todas as diferenças, o poder de gerar uma nova vida.

Por tradição, costume ou exigência religiosa, mulheres cobrem a cabeça, em público, desde a antiguidade. Em regiões da Europa do sul, como Portugal, Espanha e Sicília, as viúvas de negro da cabeça aos pés, eternamente, uniram durante muito tempo usos do catolicismo tradicional e do islamismo herdado do período em que foram ocupadas por muçulmanos.

Mas a obsessão por envolver as mulheres em verdadeiras tendas sempre foi associada a costumes tribais, desde os desertos árabes até o Afeganistão, e ao ressurgimento do islamismo militante. Entre os xiitas, o chador inexpugnável substituiu hábitos mais flexíveis, como as túnicas compridas e os lenços ou xales – uma palavra que vem, justamente, do persa – amarrados na cabeça.

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Entre os sunitas, a obsessão com indumentárias femininas é associada à Arábia Saudita, que exige, além do camisolão e do lenço, o rosto completamente coberto por um ou dois véus bem espessos, o que praticamente impede a livre locomoção das mulheres em público – esta, justamente, é a ideia.

Logo depois de tomar o poder, o aiatolá Khomeini deu uma entrevista legendária a Oriana Fallaci, jornalista italiana famosa pelo estilo impiedoso. A certa altura, ela perguntou por que todas as mulheres, inclusive ela, eram obrigadas a usar “essa indumentária tão incômoda e absurda”. Khomeini respondeu que ela, como ocidental, não precisava usar o chador, reservado “às mulheres jovens e de boa aparência”.

Em seguida, o aiatolá “riu uma risada de velho”. Todos os homens presentes também caíram na risada. “Obrigada, senhor Khomeini. O senhor é muito educado, um verdadeiro cavalheiro”, respondeu Oriana. “Vou tirar imediatamente esse estúpido trapo medieval.” Khomeini levantou com inesperada agilidade e, “com um salto felino” sobre o manto negro jogado por ela no chão, foi embora.

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Mais tarde, através de muitas negociações com o filho de Khomeini, a jornalista italiana conseguiu que ele voltasse a falar. A única exigência foi que Oriana não tocasse no assunto chador. Claro que foi a primeira coisa que ela falou quando retomou a entrevista.

As maiores exigências que constam do Alcorão, nessa matéria, é que as mulheres não usem tornozeleiras com chocalho e se vistam de maneira modesta, o que deixa um campo amplamente aberto a interpretações.

Toda vez que aumenta a fiscalização sobre a “modéstia” feminina no Irã, isso é interpretado como mais um capítulo do embate entre a linha dura e os moderados, sempre dispostos a abrir mão da moderação quando o controle sobre a maneira como as mulheres se vestem está envolvido.

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Além da fiscalização física, feita em ambientes públicos e em lugares privados não protegidos pelo dinheiro e a influência, existe o controle cibernético. As modelos detidas na semana passada foram pegas numa operação chamada Aranha II que atingiu 120 pessoas, incluindo fotógrafos, cabeleireiros e maquiadores. Um casal de modelos, Elnaz Golrokh e Hamid Fadaei, ela e ele incrivelmente belos e bastante conhecidos, fugiram para Dubai.

“Durante nosso monitoramento, notamos que mais de 20% do uso de redes sociais por nosso jovens se dirige ao uso do Instagram por modelos profissionais”, disse, em tom grave, Javad Babayi, o chefe da operação contra a “promiscuidade” e a promoção de “valores antiislâmicos”.

Um porta-voz da Guarda Revolucionária, a mais poderosa instituição da linha dura, acusou Kim Kardashian de ser uma agente plantada pelo Instagram para desvirtuar a boa juventude iraniana.

Apesar do ridículo digno de programa humorístico, ele tem razão ao apontar a influência de Kim, a mais famosa por ser famosa do mundo, imperatriz das redes sociais e paradigma de beleza especialmente entre mulheres “étnicas”, como dizem os americanos – Kim é de origem armênia por parte de pai, embora tenha herdado muitas de suas protuberâncias da mãe.

Os exageros de maquiagem, cabelo, roupas e intervenções estéticas das irmãs Kardashian são cultuados entre muitas árabes, persas, indianas e outras esferas femininas culturalmente avessas a qualquer moderação no campo estético.

Por causa da perseguição repugnante às iranianas que querem ser belas e vivem, ou viviam, disso, agora todas temos que concordar com um novo princípio: o que é bom para Kim Kardashian, é bom para a causa da liberdade.

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