Wilson Witzel e a apuração de desvios na pandemia: Cabral 2?
Operação da PF precisa ser técnica e apurar se há responsabilidade do governador, assim como no caso sobre a interferência política de Bolsonaro no órgão

Eleito com a bandeira de combate à corrupção para o cargo de governador do Rio de Janeiro, o ex-juiz federal Wilson Witzel tinha entre os seus lemas de campanha a “limpeza da política” para se contrapor especialmente a um de seus antecessores: Sérgio Cabral, condenado a 280 anos de prisão. Dezessete meses depois, investigadores começam a se perguntar se estão diante de um novo político corrupto à frente do estado.
Ainda é preciso aguardar o resultado das investigações, que estão no início das apurações, mas a ida de delegados e agentes da PF no Palácio da Guanabara trinca indiscutivelmente a imagem do governador Witzel como defensor intransigente do combate à corrupção, até como ex-magistrado que atuou em varas criminais.
O Rio de Janeiro tem uma corrupção quase endêmica. E isso não é retórica ou exagero para impressionar os leitores. São cinco ex-governadores presos nos últimos anos: além do próprio Cabral, Moreira Franco, Luiz Fernando Pezão, Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho estiveram atrás das grades em algum momento da conturbada história política do Rio. Também ja foram presos ex-presidentes da assembleia estadual, alguns deputados e todo o Tribunal de Contas do Estado.
Batizada de Placebo, a operação no coração do governo Witzel, que chegou ao ponto de realizar buscas nesta terça-feira, 26, no Palácio da Guanabara, investiga um suposto esquema de corrupção envolvendo uma importante Organização Social (OS), contratada para a instalação de hospitais de campanha em meio à pandemia do coronavírus.
Aberto após pedido da Procuradoria-Geral da República ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o inquérito investiga gastos de R$ 1 bilhão na construção desses hospitais, que não têm funcionado na mais grave crise sanitária do nosso tempo. Os valores dos contratos sem licitação incluem compra de respiradores, máscaras e testes rápidos. A maior parte do dinheiro, cerca de R$ 836 milhões, foi destinada à OS.
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E aí surge mais uma triste coincidência que traz arrepios à sociedade carioca. As buscas no escritório onde trabalha a primeira-dama, a advogada Helena Witzel, como informou o Radar, trazem a imediata lembrança de Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral, condenada, presa e que hoje cumpre pena domiciliar. O escritório de Helena Witzel teria ligações profissionais com a OS investigada pela Placebo.
As suspeitas do envolvimento de Witzel, um dos principais desafetos do presidente Bolsonaro, no escândalo apurado pela Operação geram, por outro lado, um tipo grave de questionamento: a politização da PF, fato que demonstra o grau de instabilidade institucional que vivemos hoje no Brasil, com a ameaça de credibilidade das instituições.
Nesta segunda, 25, o delegado Tácio Muzzi assumiu a superintendência da PF no Rio. Seria uma mudança usual, não fosse o fato de que o cargo está no centro de uma investigação de tentativa de interferência política do presidente Jair Bolsonaro, que demonstrou ter verdadeira obsessão pela chefia da PF no Rio, seu berço político.
O caso da tentativa de intervenção na Polícia Federal gerou a imediata demissão do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, do ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo e, finalmente, a troca do superintendente da PF no Rio, um dia antes da operação contra o governador carioca.
Ou seja, o contexto da operação contra Witzel é ruim porque ocorre em meio a todos os temores de intromissão política na PF. Isso sem contar a escalada dos ataques do presidente aos governadores, particularmente o do Rio, chamado de “estrume” por Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril. Soma-se a isso o fato de que a ação policial foi antecipada pela deputada Carla Zambelli, aliada de primeira hora de Bolsonaro e que vive no Palácio do Planalto.
Os indícios da investigação contra o governo Witzel, comandada não só pela PF, mas também pela Polícia Civil do Estado, são graves. Mas também é preocupante o contexto político que produz descrédito e desconfiança em instituições e em agências do estado, como a própria PF. Para o bem do país, é preciso que as duas apurações sejam feitas de forma independente e técnica, sob risco de a própria luta contra a corrupção ficar prejudicada pelo descrédito das instituições.