Decisão sobre Queiroz e Márcia é ‘chocante’ e espantosa, diz ex-magistrado
Walter Maierovitch vê 'verniz humanitário' incabível em relação ao ex-assessor e 'benemerência' com a mulher dele, foragida há quase um mês
A decisão do ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de conceder prisão domiciliar a Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e à mulher dele, Márcia Oliveira de Aguiar, tem sofrido críticas nos bastidores do tribunal e entre juristas.
Conforme mostraram o colunista Matheus Leitão e o Radar, a decisão de Noronha foi classificada como “chocante” a “excrescência” por colegas dele no STJ e pode ser revertida ao final do recesso do Judiciário, em agosto, quando o relator do habeas corpus, ministro Félix Fischer, assumirá a análise do assunto. Responsável pela Operação Lava-Jato na Corte, Fischer é conhecido como um dos ministros mais “linha dura” do STJ.
Para o ex-desembargador e jurista Walter Maierovitch, especialista em crime organizado, o entendimento de Noronha “gera espanto”, é “extremamente chocante” e “péssimo” para a imagem do Judiciário.
“Para a imagem ficou muito ruim, é extremamente chocante, parece que a Têmis [símbolo da Justiça] tira a venda dos olhos, joga a balança e a espada fora e vai rodar bolsinha em Rio das Pedras [bairro carioca que tem atuação de milicianos ligados a Queiroz]. É péssimo para a imagem, existe nesse contexto uma imagem negativa do João Otávio Noronha, Bolsonaro disse que teve por ele um ‘amor à primeira vista’”, diz Maierovitch, se referindo a declaração dada pelo presidente Jair Bolsonaro numa solenidade no Palácio do Planalto, quando Noronha estava presente.
O ex-juiz vê na decisão do ministro o uso de um “verniz humanitário” em relação a Queiroz que não seria aplicável, em sua avaliação, diante da “periculosidade” do ex-assessor de Flávio. Segundo as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro, Queiroz tentou embaraçar as investigações influenciando testemunhas, se escondia da Justiça, arquitetava com Márcia um plano de fuga para sua família e mantinha relação com milícias do Rio de Janeiro.
O ex-assessor do senador é apontado pelas investigações como operador financeiro de um esquema de apropriação de salários dos servidores do gabinete, prática conhecida como “rachadinha”. Segundo as apurações que levaram à sua prisão, passaram pelas contas de Queiroz entre 2007 e 2018 2 milhões de reais. Ele pagou despesas de Flávio Bolsonaro, como mensalidades escolares das filhas, e fez um depósito de 25.000 reais na conta da mulher do senador, Fernanda Antunes Bolsonaro.
“É uma decisão que gera espanto. Ela traz um verniz humanitário, porque Queiroz tem câncer, tem idade, está no grupo de risco da Covid. Mas é puro verniz. Queiroz tem periculosidade, tem vínculo com a milícia de Rio das Pedras, era ligado ao chefe da milícia de Rio das Pedras e do Escritório do Crime, o capitão Adriano. A ex-mulher a mãe do capitão trabalhavam no gabinete de Flávio, relatórios do Coaf mostram dinheiro desse capitão para o Queiroz”, lembra Walter Maierovitch.
Para o ex-juiz, a decisão de estender a prisão domiciliar à mulher de Fabrício Queiroz, que estava foragida desde o dia 18 de junho, não se sustenta e é obra da “benemerência” de Noronha. Maierovitch afirma que a medida só é possível quando a ilegalidade da prisão atinge outra pessoa – em seu despacho, o presidente do STJ considerou que a presença de Márcia Aguiar seria “recomendável” para “dispensar as atenções necessárias” a Queiroz, “visto que, enquanto estiver sob prisão domiciliar, estará privado do contato de quaisquer outras pessoas”.
Ele afirma não ser incomum que alvos de mandados de prisão considerados injustos ou ilegais fujam e busquem habeas corpus. A conversa no WhatsApp em que Márcia Aguiar diz a Queiroz que só toparia o plano de sair do Rio de Janeiro para São Paulo se ela e o marido estivessem com a prisão decretada, no entanto, é lembrada por Maierovitch como “afronta” à Justiça.
“O incomum está no fato de ela ter pego uma carona, sendo que não se analisou ilegalidade e abuso, mas simplesmente se jogou uma questão de humanidade e a colocou na posição de enfermeira. Foi uma benemerência do ministro Noronha, que disse que é importante a presença dela ao lado dele para ajudar na recuperação”, diz.