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Informação e análise
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O livro dos segredos do Copom

No Banco Central, os economistas radicalizaram: deram férias permanentes à linguagem, na tentativa de construção de uma teologia da economia brasileira

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 out 2021, 08h30

“Acho que você foi claro”, ouviu Alan Greenspan, economista que presidiu o Banco Central americano durante 19 anos, de 1987 a 2006. Greenspan devolveu rápido, em fina ironia: “Se eu me fiz claro, você não deve ter me entendido.”

No Banco Central do Brasil os economistas radicalizaram: deram férias permanentes à linguagem. Insistem em se comunicar com a sociedade numa língua-código que, talvez, só alguns deles sejam capazes de decifrar completamente — depois de torturar cada sílaba, naturalmente.

Ontem, a 242ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em Brasília, terminou com um aumento de
1,5 ponto percentual na taxa básica de juros. Não é pouco. Em quatro semanas a taxa passou de 6,25% ao ano para 7,75% anuais.

É uma decisão que sinaliza o rumo (ou a falta dele) da economia, com reflexos diretos na vida das empresas e das pessoas em meio a uma pandemia e às vésperas de um ciclo eleitoral que se anuncia conturbado.

O Banco Central se justificou em nota pública. Explicou tudo, com clareza e objetividade numa frase de apenas 48 palavras: “O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante, que inclui os anos-calendário de 2022 e 2023.”

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Admitindo que a linguagem cifrada, adornada com quebra-cabeças estéticos, contém margem de risco suficiente para deixar o leitor pisando em palavras distraído, o BC se deu ao trabalho de acrescentar uma ressalva ainda mais inteligível: “Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.”

É assim há um quarto de século, desde que o Copom foi criado por “circular” (nº 2.698) com poderes extraordinários sobre a economia. A comunicação com a sociedade com base numa língua-código sugere a tentativa de construção de uma teologia da economia brasileira — com tradutores das parábolas do livro dos segredos do Copom espalhados pelo mercado financeiro.

A maioria dos economistas, ensina o professor Antonio Delfim Netto, sonha criar uma “ciência”, construir uma “religião”: uma “ciência econômica” com fundamentos em leis naturais que governam o funcionamento do sistema e, portanto, independentes da história, da geografia, da psicologia etc.

Tempos atrás, na Universidade de São Paulo, dois professores combinaram um almoço. O economista Celso Furtado terminou a conversa com uma plateia de estudantes e foi encontrar o amigo Mário Schenberg, físico, matemático e duas vezes deputado estadual pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).

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A portaria do auditório testemunhou o encontro de dois dos mais influentes pesquisadores do Brasil no século passado.

— Celso, posso fazer uma pergunta?

— Mas é claro, Mário.

— Ouvi e fiquei pensando: esse negócio de economia é ciência mesmo?

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Seguiram para o restaurante, morrendo de rir.

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