Um escorregão da Lava-Jato
Disse e repito: a condução coercitiva contra Lula foi um dos piores momentos da melhor operação anticorrupção da história do país
Irritei um bocado de leitores ontem ao afirmar, em plena festa de comemoração do cerco ao ex-presidente Lula, que a condução coercitiva determinada pelo juiz Sergio Moro havia sido um erro, um escorregão da Lava-Jato. Até agora recebi 190 comentários, um bocado deles afirmando que “estou com pena do Lula” ou sou “um petista infiltrado na Veja”.
Calma, pessoal. Critiquei a operação contra Lula justamente porque me parece correto e necessário que o ex-presidente seja preso. Mas isso precisa ocorrer de forma irretocável.
A força da Operação Lava-Jato reside na legitimidade e imparcialidade das investigações. Conseguiu prender e manter presos tantos magnatas e figurões da política porque seus protagonistas agem de maneira técnica e apartidária.
A investigação de presidentes ou ex-presidentes exige uma preocupação ainda maior com a legitimidade do processo. O tão esperado cerco a Lula deveria chegar baseado em práticas e argumentos irrefutáveis.
Como disse à BBC o jurista José Gregori, ex-ministro da Justiça de FHC, “tendo em vista a importância que está tendo na conjuntura nacional, essas investigações precisam dar uma prova diária de equilíbrio, de isenção. Não pode haver nenhum tipo de tolerância com o que não seja rigorosamente ortodoxo, rigorosamente equilibrado, rigorosamente dentro da lei”.
Não foi o que aconteceu. A condução coercitiva é um recurso utilizado quando o investigado não atende a uma intimação. Mas Lula não havia sido intimado pela Lava-Jato.
O atropelo fez um bocado de juristas questionarem a investigação, deu palanque a Lula e encheu os petistas de argumentos. Agora temos que aturar a Dilma prestando solidariedade à “vítima de perseguição” em São Bernardo do Campo e uma penca de intelectuais afirmando que Lula está sofrendo um justiçamento.
Como diz o vizinho Reinaldo Azevedo, a operação “foi uma demonstração de força desnecessária que, se teve algum efeito sobre o PT, foi o de lhe injetar algum ânimo. E ninguém precisa disso”.
O juiz Moro justificou a condução coercitiva pela necessidade de proteger o investigado e evitar tumultos. Mas Lula encarou a tentativa de proteção como uma perseguição. No fim das contas, a operação gerou, como diz Moro em nota oficial deste sábado, “exatamente o que se pretendia evitar”.
Por sorte, nada está perdido. A Lava-Jato tem reputação boa o suficiente para seguir adiante apesar desse escorregão. E, como as delações que estão por vir, vão sobrar razões para mais alguns líderes políticos passarem uma temporada em Curitiba.