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A Constituição seria menos confusa e mais apaixonada pela liberdade se fosse redigida pelos compositores de samba-enredo

Na terra dos prolixos patológicos, louve-se a concisão dos compositores de samba-enredo. Em vinte e poucos versos, alguns dos quais obrigatoriamente reservados à louvação da própria escola, os autores, quase sempre trabalhando em bando, enfeixam temas que, nas mãos de biógrafos, ensaístas e historiadores, exigem pelo menos um livro, eventualmente uma coleção com meia dúzia […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 09h29 - Publicado em 20 fev 2012, 14h41

Na terra dos prolixos patológicos, louve-se a concisão dos compositores de samba-enredo. Em vinte e poucos versos, alguns dos quais obrigatoriamente reservados à louvação da própria escola, os autores, quase sempre trabalhando em bando, enfeixam temas que, nas mãos de biógrafos, ensaístas e historiadores, exigem pelo menos um livro, eventualmente uma coleção com meia dúzia de tomos. É muito assunto para poucas palavras. É tanta coisa que a letra acaba traindo aqui e ali um evidente parentesco com o épico Samba do  Crioulo Doido, de Stanislaw Ponte Preta. Ainda assim, como reiterou o Carnaval de São Paulo e vêm confirmando os desfiles no Rio, o espetáculo da síntese é decididamente admirável.

A abrangência da letra, sempre de dimensões amazônicas, poucas vezes alcançou as lonjuras atingidas no Carnaval de 1989 pelos compositores Niltinho Tristeza, Vicentinho, Jurandir e Preto Jóia, que ajudaram a Imperatriz Leopoldinense a buscar a taça na Marquês de Sapucaí com o samba-enredo “Liberdade! Liberdade! Abre as Asas sobre Nós!”. Inspirada na gestação do Brasil republicano, descreve o Império agonizante (“decadente, muito rico incoerente”), recorda a Guerra do Paraguai, homenageia o Duque de Caxias, reverencia a Princesa Isabel, celebra o marechal Deodoro da Fonseca, festeja o nascimento do novo regime, evoca a saga dos imigrantes e, naturalmente, lembra que o verde-e-branco da escola está brilhando por aí. Haja fôlego. E haja poder de síntese.

Fundir tantos capítulos históricos num balaio tão acanhado exige elipses audaciosas, e de vez em quando a linguagem fica um tanto misteriosa. Um dos versos, por exemplo, diz apenas que “o marechal que proclamou foi presidente”. Não houve espaço para informar que o marechal é Deodoro da Fonseca, nem que o que proclamou foi a República, muito menos que era isso o que viria a presidir. Também por falta de espaço, 15 de Novembro de 1889 foi reduzido a “noite quinze reluzente”.

As façanhas militares do Caxias da Imperatriz Leopoldinense, excessivamente numerosas para caber na avenida, acabaram empilhadas numa única imagem superlativa: “O duque imortal, da guerra o patrono”. E o baile da Ilha Fiscal teve de ser espremido numa frase em código: “A nobreza enfeita o luxo do salão”.  Os espectadores talvez não tenham entendido tudo o que ouviram. Mas captaram perfeitamente o espírito da coisa ─ tanto assim que cantaram com a escola, frementes de entusiasmo e fervor cívico, o refrão que reivindica a eternização da Liberdade.

Louve-se, pois, essa tribo de craques da concisão, até porque a imensidão de prolixos só tem piorado a nossa vida. É obra do Brasil verborrágico, por exemplo, a Constituição de 1988 ─ um Samba do Crioulo Doido composto em parceria pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário, capaz de juntar no mesmo palavrório o tabelamento dos juros (12% ao ano), os privilégios da Zona Franca e cláusulas pétreas que se esfarinham a cada sessão efetivamente relevante do Supremo Tribunal Federal. As pompas e fitas do juridiquês castiço não permitem rimas, nem ricas nem pobres. Em incontáveis momentos, o falatório fica menos inteligível que discurso de Dilma Rousseff. E autoriza um ministro do Supremo Tribunal Federal a interpretar como quiser cada artigo, parágrafo ou inciso do que as togas chamam de Carta Magna.

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Uma Constituição redigida por Niltinho Tristeza, Vicentinho, Jurandir e Preto Jóia seria um tanto confusa. Mas, como a turma é parcimoniosa com palavras, a confusão seria extraordinariamente menor. Mais importante ainda, o quarteto de artistas populares saberia deixar claro que nada ─ nada ─ deve impedir que as asas da liberdade estejam sempre abertas sobre nós.

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