Nas décadas de 70 e 80 um grito de urgência ecoou pelo planeta. O movimento Save the Whales, lançado pelo Greenpeace em 1975 para interromper a caça comercial de baleias, visava a impedir a iminente extinção da espécie. A campanha se popularizou em pôsteres, camisetas e adesivos espalhados por todo canto. A principal arma pacífica da campanha, porém, foi um álbum de música intitulado Songs of the Humpback Whale. A coletânea mostrava os mamíferos cantando uns para os outros.
Houve comoção, em um dos primeiros episódios de atenção ambiental bem-sucedido. E, enfim, em 1986 a Comissão Baleeira Internacional comprou a briga e o banho de sangue foi interrompido. Era o primeiro passo de uma nova era que, agora, chegou a um ponto fascinante (embora ainda exista perigo). Os bichões aquáticos, antes usados na produção de cosméticos e combustíveis, foram salvos e hoje protagonizam um tipo de turismo não predatório que atrai milhares de pessoas todos os anos.
A onda é observar baleias, e o Brasil faz parte da aventura. Todos os anos, cerca de 10 000 turistas, em movimento que chega a 3 milhões de reais a cada doze meses, vão para o litoral de modo a apreciar um raro balé — e o número tende a crescer, dada a procura internacional, com mais de 13 milhões de pessoas que se deslocam ao redor do globo para ver os acrobáticos e graciosos gigantes. Em mares brasileiros, a estrela é a jubarte, que pode alcançar até 40 toneladas e 16 metros de comprimento.
Elas costumam dar as caras, de junho a novembro, na região de Abrolhos, à margem da Bahia — navegam a partir do extremo sul do continente, em busca de um farto banquete de krills, pequenos invertebrados que lembram camarões. Nas águas baianas, calmas e mornas, elas copulam e, um ano depois, retornam para dar à luz aos seus filhotes — período conhecido como temporada das baleias. A boa surpresa: as jubartes começam a se espalhar por outros mares. Em torno de maio, exibem suas clássicas cambalhotas no litoral norte de São Paulo. Em seguida, passeiam por Espírito Santo e Rio de Janeiro. Dão o ar de sua graça também no Rio Grande do Norte. “Durante a década de 90, quando fizemos os primeiros censos, o número de indivíduos que migrava da região antártica até o Nordeste brasileiro não passava dos 1 500”, diz Enrico Marcovaldi, um dos fundadores do Instituto Baleia Jubarte. O sucesso da campanha de preservação oferece nova estatística. “Em recente levantamento, identificamos 30 000”, diz.
Ressalve-se que as estrelas da companhia, as jubartes, não estão sós. De acordo com o projeto Baleia à Vista, das 371 observações já feitas no litoral norte de São Paulo, 135 foram de baleias de bryde, uma espécie com metade do tamanho das jubartes. Tipos menos comuns, como a franca e a minke, também fazem acenos aos mais sortudos. A variedade incrementa o interesse dos viajantes e o zelo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. Há regras que não podem ser desrespeitadas pelas excursões: o “cerco” não pode durar mais do que meia hora e é vetado chegar a menos de 100 metros dos animais.
O cuidado permanente é retrato de um novo tempo, no avesso da irresponsabilidade do século passado. Ver baleias equivale, portanto, a protegê-las da sanha predadora de outras épocas, especialmente no Japão, Noruega e Islândia (onde agora há rigidez e controle). Havia algum romantismo descabido na caça dos cetáceos, alheio ao horror do cruel mecanismo para matá-los — mortandade hoje rara, mas que ainda acontece. Um arpão mecânico penetra cerca de 30 centímetros na carne, antes de ser detonado. A explosão provoca um grande ferimento no corpo do animal, que morre por hemorragia. A carcaça é içada ao navio, para então ser processada.
Já não se pode aceitar cenas assim, e a melhor resposta é a dança das baleias para fora da linha do mar. Quando for o caso de sair para apreciá-las, vale lembrar a célebre frase de abertura do romance Moby Dick: “Me chamem de Ismael. Alguns anos atrás — não importa precisamente quantos — tendo pouco ou nenhum dinheiro na bolsa, e nada que me interessasse particularmente em terra firme, decidi navegar um pouco por aí e ver a parte aquosa do mundo. É um jeito que tenho de espantar a melancolia e regular a circulação do sangue”.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853