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As baleias, que correram risco de extinção, agora estão na rota do turismo

Os bichões aquáticos foram salvos e hoje protagonizam um tipo de excursão não predatória que atrai milhares de pessoas todos os anos, inclusive no Brasil

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h22 - Publicado em 6 ago 2023, 08h00

Nas décadas de 70 e 80 um grito de urgência ecoou pelo planeta. O movimento Save the Whales, lançado pelo Greenpeace em 1975 para interromper a caça comercial de baleias, visava a impedir a iminente extinção da espécie. A campanha se popularizou em pôsteres, camisetas e adesivos espalhados por todo canto. A principal arma pacífica da campanha, porém, foi um álbum de música intitulado Songs of the Humpback Whale. A coletânea mostrava os mamíferos cantando uns para os outros.

Houve comoção, em um dos primeiros episódios de atenção ambiental bem-sucedido. E, enfim, em 1986 a Comissão Baleeira Internacional comprou a briga e o banho de sangue foi interrompido. Era o primeiro passo de uma nova era que, agora, chegou a um ponto fascinante (embora ainda exista perigo). Os bichões aquáticos, antes usados na produção de cosméticos e combustíveis, foram salvos e hoje protagonizam um tipo de turismo não predatório que atrai milhares de pessoas todos os anos.

arte baleias

A onda é observar baleias, e o Brasil faz parte da aventura. Todos os anos, cerca de 10 000 turistas, em movimento que chega a 3 milhões de reais a cada doze meses, vão para o litoral de modo a apreciar um raro balé — e o número tende a crescer, dada a procura internacional, com mais de 13 milhões de pessoas que se deslocam ao redor do globo para ver os acrobáticos e graciosos gigantes. Em mares brasileiros, a estrela é a jubarte, que pode alcançar até 40 toneladas e 16 metros de comprimento.

Elas costumam dar as caras, de junho a novembro, na região de Abrolhos, à margem da Bahia — navegam a partir do extremo sul do continente, em busca de um farto banquete de krills, pequenos invertebrados que lembram camarões. Nas águas baianas, calmas e mornas, elas copulam e, um ano depois, retornam para dar à luz aos seus filhotes — período conhecido como temporada das baleias. A boa surpresa: as jubartes começam a se espalhar por outros mares. Em torno de maio, exibem suas clássicas cambalhotas no litoral norte de São Paulo. Em seguida, passeiam por Espírito Santo e Rio de Janeiro. Dão o ar de sua graça também no Rio Grande do Norte. “Durante a década de 90, quando fizemos os primeiros censos, o número de indivíduos que migrava da região antártica até o Nordeste brasileiro não passava dos 1 500”, diz Enrico Marcovaldi, um dos fundadores do Instituto Baleia Jubarte. O sucesso da campanha de preservação oferece nova estatística. “Em recente levantamento, identificamos 30 000”, diz.

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REGRAS - Viajantes a caminho dos bichos: contatos até 100 metros de distância
REGRAS - Viajantes a caminho dos bichos: contatos até 100 metros de distância (Projeto Baleia Jubarte/.)

Ressalve-se que as estrelas da companhia, as jubartes, não estão sós. De acordo com o projeto Baleia à Vista, das 371 observações já feitas no litoral norte de São Paulo, 135 foram de baleias de bryde, uma espécie com metade do tamanho das jubartes. Tipos menos comuns, como a franca e a minke, também fazem acenos aos mais sortudos. A variedade incrementa o interesse dos viajantes e o zelo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. Há regras que não podem ser desrespeitadas pelas excursões: o “cerco” não pode durar mais do que meia hora e é vetado chegar a menos de 100 metros dos animais.

O cuidado permanente é retrato de um novo tempo, no avesso da irresponsabilidade do século passado. Ver baleias equivale, portanto, a protegê-­las da sanha predadora de outras épocas, especialmente no Japão, Noruega e Islândia (onde agora há rigidez e controle). Havia algum romantismo descabido na caça dos cetáceos, alheio ao horror do cruel mecanismo para matá-los — mortandade hoje rara, mas que ainda acontece. Um arpão mecânico penetra cerca de 30 centímetros na carne, antes de ser detonado. A explosão provoca um grande ferimento no corpo do animal, que morre por hemorragia. A carcaça é içada ao navio, para então ser processada.

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arte baleias

Já não se pode aceitar cenas assim, e a melhor resposta é a dança das baleias para fora da linha do mar. Quando for o caso de sair para apreciá-las, vale lembrar a célebre frase de abertura do romance Moby Dick: “Me chamem de Ismael. Alguns anos atrás — não importa precisamente quantos — tendo pouco ou nenhum dinheiro na bolsa, e nada que me interessasse particularmente em terra firme, decidi navegar um pouco por aí e ver a parte aquosa do mundo. É um jeito que tenho de espantar a melancolia e regular a circulação do sangue”.

Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853

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