Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

A inédita força-tarefa para prevenir e combater queimadas no Pantanal 

Grandes empresas, entidades de apoio ao meio ambiente e fazendeiros se juntam na empreitada

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 jul 2022, 20h23 - Publicado em 22 abr 2022, 06h00

O Dia da Terra, data criada em 1970 pelo senador americano Gaylord Nelson como alerta para o aumento da poluição e da degradação ambiental, é celebrado mundialmente em 22 de abril. No Brasil, esta época do ano antecede a temporada de fogo no Pantanal e coincide com a preparação para que novas catástrofes sejam evitadas. Em 2020, o bioma que compreende partes de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul teve 30% de sua área queimada, um recorde histórico que deixou rastros de destruição sem precedentes. Desde então, uma inédita força-tarefa envolvendo iniciativa privada, órgãos públicos, ONGs, fazendeiros e as comunidades locais foi criada para tentar evitar novas tragédias e proteger o patrimônio verde de valor inestimável para o Brasil.

Incêndios de grandes proporções são um problema mundial, agravado ano a ano pelas mudanças climáticas. Para que as chamas se espalhem, basta o encontro de três componentes: um combustível (no caso, a vegetação), um comburente (o oxigênio) e a ignição, que pode tanto se dar por causas naturais, como raios, quanto humanas. Uma fórmula de “quatro trintas” leva ao inferno perfeito: temperaturas acima dos 30 graus; ventos de mais de 30 quilômetros por hora; mais de trinta dias sem chuva; e umidade abaixo de 30%. São, portanto, condições comuns ao Pantanal, a maior planície alagada do mundo, no segundo semestre do ano.

arte Pantanal

Em 2020, uma onda seca muito acima da média, influenciada pelo fenômeno climático La Niña, somada a gargalos de logística agravados pela Covid-19, levou à queima de 3,9 milhões de hectares de terra pantaneira, o equivalente a quase duas vezes a área de Israel, segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da UFRJ. As cenas chocantes, como a de jacarés agonizando, causaram comoção internacional. Em 2021, o número de queimadas foi reduzido pela metade, já na esteira de mudanças implementadas, mas ainda em níveis altíssimos. “Obviamente, depois daquela catástrofe, houve um grande engajamento, tanto do setor público quanto do privado e da sociedade em geral”, diz a climatologista Renata Libonati, coordenadora do Lasa.

Uma das ações mais significativas foi implementada pela JBS. No ano passado, a empresa brasileira líder da indústria de alimentos anunciou o investimento de 26 milhões de reais, a ser distribuídos em quatro anos, em uma força-tarefa de prevenção, monitoramento e combate ao fogo. A empresa mantém equipes da Brigada Aliança, da organização Aliança da Terra, com bases nos municípios de Anastácio (MS), Pedra Preta, Poconé, Cáceres e Araputanga (MT). Seus profissionais foram treinados pelo Serviço Florestal dos EUA (USFS), os smokejumpers, a elite mundial. “O fogo está mais intenso e frequente. Há casos complexos, como os incêndios subterrâneos, que exigem uma expertise maior”, explica Caroline Nóbrega, gerente-geral da Brigada Aliança, criada em 2009. “Antes, nossa atuação era de agosto a outubro. Agora, vai de junho a novembro.”

TRAGÉDIA - Destruição: seca sem precedentes matou quase 17 milhões de vertebrados no Pantanal em 2020 -
TRAGÉDIA - Destruição: seca sem precedentes matou quase 17 milhões de vertebrados no Pantanal em 2020 – (Mauro Pimentel/AFP)

As equipes da Brigada Aliança, além do Corpo de Bombeiros, Sesc Pantanal e outras entidades responsáveis pelo combate às chamas, são acionadas com o auxílio de uma tecnologia criada pela startup Um Grau e Meio, que instalou câmeras em onze torres de monitoramento. O mais leve sinal de fumaça é detectado pelo software Pantera e repassado aos socorristas mais próximos. “Todo incêndio começa podendo ser apagado com a sola da bota. O que antes levava ao menos três horas para ser detectado via satélite, agora leva apenas três minutos”, diz Osmar Bambini, cofundador da Um Grau e Meio. O sistema de inteligência artificial também leva em conta fatores como dados meteorológicos e o histórico de incêndios para estabelecer o melhor plano de ação. “Não adianta nada só detectar, é preciso dar as ferramentas para que o socorro chegue o mais rápido possível”, reforça Bambini. A meta da startup é instalar nos próximos anos até 28 torres, conectando todo o Pantanal.

ALERTA - Brigada Aliança: inteligência artificial para proteger a região -
ALERTA - Brigada Aliança: inteligência artificial para proteger a região – (./Divulgação)

Mais de 90% das chamas na região se dão por ação humana, seja de forma proposital, seja por negligência. Queimar o solo é uma prática comum na agricultura, e legalizada, desde que dentro de controle adequado. A prevenção e a conscientização, portanto, são tão relevantes quanto o combate. A Brigada Aliança tem transmitido seus ensinamentos em cursos de até três dias com os produtores e moradores pantaneiros. Medidas simples, como a troca do maquinário agrícola, e sobretudo a abertura correta de aceiros, faixas livres de material combustível para evitar que o fogo se alastre, fazem toda a diferença. Gustavo Dias dos Santos, capataz de uma fazenda na região de Pedra Preta (MT), conta que suas terras costumavam pegar fogo, pois estão entre três rodovias (a BR-364 e mais duas estaduais) e uma rede elétrica. Bastava uma fagulha na mata seca para que as chamas se alastrassem. “Não tínhamos tanta noção. Agora, aprendemos como fazer melhor e ao menos reduzir os danos”, conta. As partes envolvidas celebram também a evolução do que chamam de “tecnologia social”, uma rede de comunicação entre órgãos de fiscalização e os moradores da região. O contato é rápido, via telefonema, WhatsApp ou o que melhor funcione em cada região. “A comunidade se ajuda, todos se falam e avisam qualquer sinal suspeito”, afirma Dias.

arte Pantanal

O Brasil não tem sido uma referência ambiental, sobretudo durante a gestão do governo Bolsonaro. Os especialistas entrevistados por VEJA alertam: há muito a ser feito, sobretudo a valorização do conhecimento científico. No entanto, todos concordam que, após a tragédia de 2020, houve avanços na fiscalização, na elaboração de projetos sobre o manejo de fogo e de ferramentas para que os produtores se beneficiem financeiramente de ações mais sustentáveis. “O pior já passou”, diz Jorge Lara, chefe da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Pantanal. “O meio ambiente é crucial para o desenvolvimento econômico, e a sociedade está mais atenta a isso.”

Continua após a publicidade
ELITE - Smokejumpers: serviço florestal dos EUA treinou a brigada do Pantanal -
ELITE - Smokejumpers: serviço florestal dos EUA treinou a brigada do Pantanal – (Josh Edelson/AFP)

É fundamental ressaltar as diferenças entre os biomas brasileiros. Enquanto na Amazônia a derrubada de árvores e o garimpo irresponsável (leia na pág. 24) têm ligação estreita com o crime organizado, no Pantanal a realidade é de mais fácil resolução, pois se trata de áreas privadas (as fazendas ocupam 90% da região). Segundo Lara, nos últimos anos muitas propriedades foram vendidas a fazendeiros do cerrado e outras regiões. “O Pantanal é mais complexo, mas o maior acesso ao conhecimento técnico levará a uma tendência de melhora.” Em maio, será lançado um manifesto conjunto de entidades que atuam na proteção da região, em mais um esforço na direção correta. O Pantanal, enfim, respira.

 

Publicado em VEJA de 27 de abril de 2022, edição nº 2786

Continua após a publicidade
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.