Como o futebol americano conquista cada vez mais fãs no Brasil
Ele está nos campos profissionais e amadores, nos jogos transmitidos pela TV e até no figurino casual
Quem já se arriscou a assistir a uma partida da National Football League (NFL), a famosa liga de futebol americano sediada nos Estados Unidos, pode achar o esporte confuso e truculento, com regras complexas e objetivos muito diferentes daqueles do nosso jogo com a bola redonda — a começar pela ausência dos gols. A falta de intimidade do brasileiro com a modalidade também é espelhada pelo número irrisório de atletas e dirigentes do país que já se aventuraram por lá. Nada disso, no entanto, parece desmotivar ou afastar fãs no Brasil. Pelo contrário, cresce de forma exponencial a quantidade de pessoas que não perdem uma partida do campeonato, mesmo quando elas são transmitidas de madrugada.
Segundo a última pesquisa do Ibope Repucom sobre comportamento de torcedores e consumidores brasileiros, mais de 35 milhões de homens e mulheres se declaram entusiastas do futebol americano — há dez anos, eram apenas 3 milhões. Com esse número, o país alcança a terceira posição entre os maiores apreciadores do espetáculo da NFL, perdendo apenas para os Estados Unidos e o México. A popularidade se deve, em grande medida, à expansão nas transmissões das partidas pela TV. A maioria é feita pelo canal fechado ESPN Brasil, que superou as expectativas de audiência e registrou aumento de 27% no faturamento associado ao esporte em relação à temporada anterior — foram sete cotas de patrocínio dentro do plano de exibição.
O fenômeno avança para a televisão aberta, que, em fevereiro, ofereceu, pela primeira vez, extensa cobertura do Super Bowl, a lendária final do campeonato da NFL. Só a RedeTV! dedicou cinco horas e meia de sua grade ao evento bilionário — ainda que o pico de audiência tenha se dado no show do intervalo, com apresentação de Rihanna, em vez dos principais momentos da vitória do Kansas City Chiefs. Na mesma noite, em São Paulo, 7 000 pessoas se reuniram no NFL in Brasa, encontro para ver a partida ao vivo com direito a quitutes típicos americanos, de hambúrguer com fritas a barbecue. Quem circulava pelo espaço exibia as logomarcas dos times estampadas em camisetas e bonés, itens que hoje em dia podem ser adquiridos com facilidade nas grandes cidades. A categoria licenciados (que inclui outros ligas americanas como NBA e MBL) corresponde a 65% do negócio da New Era, no Brasil. “Dentro desse bolo, projetamos um crescimento de 12% nas vendas de nossos produtos da NFL na próxima temporada”, diz Artur Regen, country manager da marca.
Muito além da torcida, está crescendo por aqui o interesse em jogar futebol americano. Em paralelo aos torneios amadores, times nacionais estão surgindo e se profissionalizando — o atual campeão é o Timbó Rex, de Santa Catarina —, embora ainda sejam poucos os atletas que possam dispensar uma segunda atividade. “Eu não ganho nada para jogar. O time me dá benefícios como moradia e alimentação. Fora isso, tenho bolsa na faculdade e a equipe conseguiu um estágio remunerado para mim”, diz Guilherme Zanchin, jogador de 22 anos do Rondonópolis Hawks, do Mato Grosso.
São mais de 1 500 jogadores como Zanchin na principal liga nacional, o Brasileirão de Futebol Americano, que conta com 35 equipes divididas em duas divisões. O nome é uma das estratégias para seduzir tanto quem já assiste às partidas da NFL como quem está por fora do esporte e curte mesmo o futebol em que a bola é redonda. “Entendemos que é preciso investir na comunicação e tornar a modalidade mais atrativa tanto para o público como para os parceiros comerciais”, diz Cris Kajiwara, presidente da Confederação Brasileira de Futebol Americano. “Trata-se de um esporte que ainda está buscando seu espaço por aqui. Temos trabalhado para mudar essa realidade pouco a pouco”.
É difícil imaginar que o football roube a cena do soccer — os nomes americanos dos dois futebóis —, mas a demanda crescente entre os brasileiros certamente será estimulada pela poderosa NFL, que não joga para perder: ela fatura cerca de 18 bilhões de dólares por ano, quase o triplo da inglesa Premier League, o campeonato de futebol (com os pés) mais rentável da atualidade. Na torcida, no campo e até na moda, a bola oval do futebol americano entrou em campo para ficar.
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2023, edição nº 2850