Os polêmicos instrutores do curso do PT para formar futuras lideranças
Ex-ministros e um ex-deputado que já foram condenados e presos por corrupção fazem parte da equipe
Desde que foi fundado, em 1980, o PT tem Lula como o seu maior expoente e sua principal liderança. Há quarenta anos, nada acontece no partido sem a aquiescência do atual presidente. As raras estrelas que brilharam um pouco mais nesse período acabaram se apagando ao longo do tempo ou foram fulminadas por escândalos e disputas internas. Olhando para o futuro, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido, está promovendo um curso de formação de novas lideranças de esquerda. Pela internet, são oferecidas aulas gratuitas aos interessados em trilhar os nem sempre muito iluminados caminhos da política. De acordo com os organizadores, a proposta é oferecer uma espécie de bê-á-bá aos candidatos a futuros dirigentes, confrontando fatos que marcaram a história recente do país. Depois de aprenderem a pensar, os alunos serão orientados sobre como atuar. Chamam atenção alguns nomes do corpo docente encarregado da tarefa.
Entre os quarenta professores que ministram aulas em vídeo sobre temas variados estão o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-deputado José Genoino e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega — três figurões do partido que não são exatamente aquilo que se poderia considerar como farol. Dirceu, sem dúvida, foi — e talvez ainda seja — o mais importante e influente deles. Além de comandar a legenda por sete anos, o ex-ministro chegou a ser cotado, em 2003, como sucessor natural de Lula — projeto interrompido por uma condenação a 39 anos de prisão por corrupção. A aula tem 21 minutos e o tema é “Fragmentação, luta armada e desarmada, resistência à ditadura”. Nela, Dirceu até discorre sobre corrupção, mas não a corrupção que enredou ele próprio e o seu partido nos governos de Lula e Dilma. “Nunca houve tanta corrupção como na ditadura militar”, observa.
O ex-ministro analisa o processo de redemocratização do Brasil, a luta sindical, as greves, a oposição à ditadura e a ascensão do PT e seu principal líder, o presidente Lula. Ele também destaca o papel importante exercido pelos grupos guerrilheiros durante o regime militar — grupos, ressalte-se, que se inspiravam politicamente em ditaduras de esquerda. A aula de José Genoino segue a mesma trilha. O ex-deputado militou no Partido Comunista do Brasil (PCdoB), participou de uma ação guerrilheira na década de 70, foi preso e torturado. Um dos fundadores do PT, foi um parlamentar atuante e destacado no Congresso, até que, em 2005, acabou envolvido no escândalo do mensalão, foi condenado por corrupção e preso mais uma vez. Mas esse assunto também não é tocado no recorte de sua aula — “Da luta contra a ditadura ao governo: a construção do PT”.
Genoino se dedica a analisar a Constituição, explica por que o PT votou contra ela e faz um curioso paralelo entre dois eventos absolutamente díspares: “O golpe de 2016 representou a solução autoritária e neoliberal diante dos avanços abertos com a Constituição de 88”. O golpe a que ele se refere foi o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. O ex-deputado critica a criminalização da política, a prisão em segunda instância, o Ministério Público e a Justiça como um todo (nesse trecho da aula, aparece uma imagem do ex-juiz e atual senador Sergio Moro, que conduziu a Operação Lava-Jato). “O Judiciário é um órgão de Estado, não é um poder, porque o poder emana do povo”, ressaltou. Trinta e cinco anos depois da promulgação da Constituição, o petista faz uma autocrítica: “Nós, da esquerda, compactuamos em dar poderes extremos e absolutos ao Ministério Público, que se transformou numa espécie de quarto poder, numa aliança promíscua com a mídia corporativa que continua exercendo o monopólio”. A aula de formação política do professor dura trinta minutos.
Os maus resultados na economia, como se sabe, estiveram na raiz da queda de Dilma Rousseff. Em 2016, a inflação bateu na casa dos 11% ao ano, a recessão — a maior da história — fez o país encolher e o desemprego atingiu quase 12 milhões de brasileiros. Na versão do professor Guido Mantega, encarregado do módulo “Os governos Lula e Dilma: legado de transformações e os obstáculos”, o cenário era bem diferente. Ministro da Fazenda de 2006 a 2014, Mantega chegou a ser preso temporariamente na Operação Lava-Jato, acusado de receber propina, foi solto logo depois e seu processo acabou arquivado. Em sua aula, ele destaca a condição “crítica” em que o governo Lula recebeu a economia em 2003, no primeiro mandato, e as medidas adotadas para reduzir a fome e criar empregos. Aos poucos, no entanto, os ajustes foram sendo feitos. O modelo “neoliberal”, segundo ele, foi trocado pelo “desenvolvimentista”. Com o passar do tempo, a inflação foi controlada, o crescimento foi retomado, a taxa de desemprego caiu e os programas de assistência tiraram milhões de pessoas da miséria. “O Brasil passou a ser uma potência emergente”, concluiu o ex-ministro. Pelo visto, as novas lideranças continuarão a repetir velhos bordões.
Com reportagem de Ricardo Chapola
Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846